Anna Bella Geiger revisita cinco décadas de sua produção rebelde e visceral

Pioneira da arte conceitual e da videoarte, carioca de 86 anos tem obra dissecada em duas mostras em São Paulo

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Anna Bella Geiger, 86, posa diante de série de sua autoria exposta no Masp

Anna Bella Geiger, 86, posa diante de série de sua autoria exposta no Masp Gabriel Cabral/Folhapress

São Paulo

Anna Bella Geiger diz estar se sentindo num filme de Alfred Hitchcock por esses dias. “‘Os Pássaros’, conhece?” A fonte do suspense, no caso, é a exposição que ela inaugura no Masp nesta sexta (29). No sábado (30), é a vez de o Sesc Avenida Paulista apresentar uma série de vídeos e instalações da artista.

“Nunca tive tantas obras expostas num museu”, diz Geiger. Aos 86 anos, a artista faz parte de uma programação do Masp que teve, só neste ano, Tarsila do Amaral —um recorde de público na instituição— e Djanira, entre outras.

Apesar da “alta ansiedade” que diz afligi-la, uma brincadeira com o nome de um filme de Mel Brooks que satiriza justamente as obras do mestre britânico do suspense, não faltam credenciais a Geiger.

Filha de imigrantes poloneses, a carioca é expoente da primeira geração de artistas conceituais da América Latina, e uma das pioneiras da videoarte no país.  Tem obras nas coleções do MoMA, em Nova York, e da Tate Modern, em Londres, além de ter participado da 39ª Bienal de Veneza, em 1980.

E continua a produzir. Muitos dos trabalhos que ela apresenta agora no Masp são adições a séries já consagradas, como os desenhos e pinturas de “Burocracia”.

Esse caráter pendular é frequente em seu trabalho, afirma o curador Tomás Toledo, organizador da exposição ao lado do diretor artístico do Masp, Adriano Pedrosa —o que também contribuiu para que não chamassem a mostra, que revisita quase cinco décadas da carreira de Geiger, de retrospectiva, já que ela não segue uma linha do tempo.

A exposição no museu é formada, assim, por seis núcleos temáticos, centrados nos principais temas abordados por Geiger.

A ausência mais sentida é a de sua produção abstrata dos anos 1950 e 1960, iniciada ainda na adolescência, em aulas com a artista nascida na Polônia Fayga Ostrower.

“O Tomás [Toledo] acelerou”, resume a artista. É, então, sua “fase visceral”, da segunda metade da década de 1960, que inicia a mostra. Misturando gravura, nanquim e aquarela, as peças mostram estômagos, cérebros e veias espalhados pelo papel branco.

O ponto de virada de sua obra só aconteceu, porém, na década seguinte. Foi quando Geiger, em crise com os “ismos” do período, descobre a arte conceitual. “Não era uma alternativa. Era a única luz no fim do túnel”, diz.

Datam desse período suas primeiras experiências com performance, caso de “Circumambulatio”, em que discute a mitologia do círculo com os seus alunos do Museu de Arte Moderna carioca, por meio de ações no aterro do Flamengo e na lagoa de Marapendi, na Barra da Tijuca. Um vídeo e uma instalação vinculados ao experimento são exibidos no Sesc Avenida Paulista.

Depois dessa ação inicial, Geiger passa a se inserir cada vez mais nos trabalhos. A série “Brasil Nativo/Brasil Alienígena”, que dá nome à mostra do Masp, é um exemplo disso.

Ao avistar, na banca, cartões-postais retratando um cotidiano indígena tão idílico quanto falso naquele momento de ditadura —segundo a Comissão da Verdade, milhares de índios foram mortos pelo regime— Geiger decide reencenar, muitas vezes no quintal de casa, ações como a de se admirar num espelho e atirar uma flecha.

“Queria falar que todos nós, índios, negros, brancos, não éramos cidadãos, não tínhamos direito a voto. Éramos todo alienígenas”, diz a artista.

É ainda na mesma década que Geiger desenvolve o interesse pela cartografia, incipiente na “fase visceral” e eixo central de sua produção nos anos seguintes —e também da exposição no museu.

Em gravuras, desenhos e colagens, a artista manipula mapas e outros instrumentos científicos, como fotografias da superfície lunar da Nasa, para questionar as definições de centro e periferia, levando os conceitos para a hegemonia global naquele período de Guerra Fria, planejamento urbano, e o sistema de arte.

Obras como uma versão da “Mona Lisa” em que, encarnando a personagem de sorriso indecifrável, Geiger substitui o cenário plácido renascentista pela favela de Santo Amaro, no Rio de Janeiro, ou inserções em jornais do retrato do alter ego feminino de Marcel Duchamp, Rrose Sélavy, avançam nessa crítica.

Numa das séries mais divertidas expostas no Masp, a artista cola a própria imagem ao lado das de grandes artistas do século 20 —Matisse, Lichtenstein, Duchamp. Todos homens.

'Diário de um Artista Brasileiro', obra de 1975 de Anna Bella Geiger exposta na mostra do artista no Masp
'Diário de um Artista Brasileiro', obra de 1975 de Anna Bella Geiger exposta na mostra da artista no Masp - Divulgação

Como outras artistas mulheres no Brasil da época, Geiger afirma que o feminismo não era exatamente uma preocupação. Mas diz que acha que a ascensão da pauta nos últimos tempos tem ajudado a jogar nova luz sobre a sua obra.

“Aqui, o trabalho de todos era de protesto contra um momento tão desalentador como aquele”, afirma, referindo-se à ditadura militar. “Mas não é como se eu não pensasse nisso. Para mim, como mulher, exercendo vários papéis, continuar a fazer meu trabalho é um sinal de esperança.”

Próximos ciclos do Masp

2020
Histórias da dança: Diálogos entre artes visuais e dança através dos séculos

2021
Histórias indígenas: 
Reunirá exemplos da cultura visual de povos nativos do mundo e terá curadores e artistas indígenas

2022
Histórias do Brasil: 
Nos 200 anos da Independência, refletirá sobre olhares que formaram a nação

2023
Histórias da ecologia: 
Abordará a trajetória da representação da natureza e a relação entre arte e ecologia

2024
Histórias da diversidade: Tratará da diversidade sexual

2025
Histórias da loucura e do delírio: Apresentará obras de artista que lidaram com a questão em sua obra e em sua vida

Exposições
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