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'Bacurau' ou 'A Vida Invisível': qual filme teria mais chances no Oscar?

Seja qual for o resultado, vale a pena pôr na cabeça que levar a estatueta não é prova de qualidade

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Em matéria de Oscar de filme estrangeiro (ou em língua estrangeira, ou internacional, ou que nome tenha) a única certeza é que filmes sobre o Holocausto emplacam. O resto é dúvida. Por vezes ganham cineastas importantes. Por vezes, outros que nunca saberemos o que são. Filmes com boas intenções também têm chance.

Não é com isso que o Brasil tem contado. Das últimas vezes que concorreu à estatueta, só “Central do Brasil”, de 1999, pode entrar na categoria “boa vontade”, embora mesmo esta fosse secundária para o filme. Quanto a “O Quatrilho”, de 1996, e “O que É Isso, Companheiro?”, de 1998, nem isso.

Não é que no novo século o cinema brasileiro tenha decaído (pelo contrário) ou o restante do cinema mundial evoluído. Caímos num buraco negro do Oscar, com a valente exceção de “Cidade de Deus”, que teve várias indicações, mas não para filme estrangeiro.

Tentamos de tudo: sucessos nacionais (“2 Filhos de Francisco”), temas político-humanistas (“Olga”, “Carandiru”, “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”, “Que Horas Ela Volta?”), político-policiais (“Tropa de Elite”), filmes oficiais (“Lula, o Filho do Brasil”), sucessos de crítica na Europa (“O Som ao Redor”). 

A indicação para 2016 foi ridiculamente pautada pelo desapreço de um presidente da República por um cineasta, de tal modo que em vez do óbvio “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho, enviaram o insignificante “Pequeno Segredo”. Para 2019, sem comentários: optaram por “O Grande Circo Místico”, talvez o menos feliz de todos os filmes de Cacá Diegues.

Para 2020, teríamos dois candidatos fortes: “A Vida Invisível” e “Bacurau”. A comissão optou por “A Vida Invisível”. Independentemente das virtudes do filme, que não são poucas, seu caráter intimista e a opção pelo melodrama não favorecem a indicação. A seu favor pesa sobretudo o apelo feminista. O aspecto paisagístico, no mais belíssimo, não deve valer de grande coisa, nem a identificação da natureza exuberante com a resiliência da natureza feminina.

“Bacurau” talvez tivesse mais chance de ir à final. Diferente do suave filme de Karim Aïnouz, o de Mendonça Filho enuncia um estado de emergência, agita o fantasma do neocolonialismo, mostra combatentes que enfrentam a submissão de autoridades políticas brasileiras aos desígnios dos Estados Unidos etc.

Em poucas palavras, um filme abertamente antibolsonarista. Isto é, que poderia cair muito bem numa Hollywood tradicionalmente liberal, desafeta de Trump, o amigão do presidente brasileiro, e também pouco disposta a endossar autoritarismos.

Pode-se pensar até que “A Vida Invisível” também não morre de amores pelo atual governo e que o personagem de Gregorio Duvivier no filme representa o moralismo conservador, antiquado e machista capaz de identificar, nos dias de hoje, o típico eleitor bolsonarista. Ainda assim, seria uma sutileza. O Oscar de filme estrangeiro não é feito, hoje em dia, para sutilezas.

Seja qual for o resultado, vale a pena pôr na cabeça que o Oscar não é prova de qualidade: é uma engrenagem importante da máquina de marketing hollywoodiana. 

O Brasil teria mais a ganhar se começassem seus espectadores a se reconhecer mais nos filmes feitos por aqui, a aceitar seus cineastas como pensadores de nossa cultura, a discuti-los e valorizá-los. Não foi por cultivar um sentimento de inferioridade em relação a seus filmes, afinal, que a Itália levou a estatueta 14 vezes, a França, 12 vezes, e a vizinha Argentina, duas vezes.

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