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Livros

Em livros, Patti Smith esmiúça a dor sem ceder a caminhos fáceis

Cantora e escritora se mostra consciente da finitude, mas não incorre em cinismo ou alarmismo

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Fabiane Secches
São Paulo

Devoção

  • Preço R$ 39,90 (144 págs.)
  • Autor Patti Smith
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Caetano W. Galindo

O Ano do Macaco

  • Preço R$ 49,90 (168 págs.)
  • Autor Patti Smith
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Camila von Holdefer

Escritora, cantora, fotógrafa, pintora. É difícil acompanhar o fôlego de Patti Smith, uma das artistas mais versáteis do nosso tempo, que ganhou o mundo ao unir o punk à poesia no álbum “Horses”, de 1975.
Sua história com os livros é mais antiga. Em 1967, quando se mudou para Nova York, trabalhou numa livraria e, antes da projeção no rock, já era uma autora publicada — hoje, soma mais de duas dezenas de títulos. Os dois últimos, “Devoção” e “O Ano do Macaco”, acabam de ser lançados no Brasil. Ambos são compostos por textos e fotografias. 

Em “Devoção”, publicado em formato de bolso, a autora se propõe a investigar as inquietações que levam à escrita. “Qual o sonho? Escrever algo bom, que fosse melhor do que eu sou e que justificasse minhas tribulações e indiscrições. Oferecer prova, por meio de palavras reordenadas, de que Deus existe.”
O livro começa com o texto “Como a Mente Funciona”. Smith está em Paris e começa a esboçar um conto, “Devoção”, que lemos na sequência. 

No texto “Um Sonho Não É um Sonho”, visita a casa de Albert Camus e se pergunta por que alguém se sente impelido a escrever. “Para dar voz ao futuro, revisitar a infância” são algumas das hipóteses que levanta. Pensa em Woolf, Proust, Duras e outros escritores que, como ela, parecem estar “em busca de um vazio que pudessem encher de palavras”. 

A cantora Patti Smith - Divulgação

Já em “O Ano do Macaco” (2019), observamos a busca por palavras que encham um vazio. A obra, um livro de memórias, reúne as experiências vividas pela autora em 2016, quando completou 70 anos e perdeu dois amigos: o produtor musical Sandy Pearlman e o dramaturgo Sam Shepard, também escritor, cineasta, ator, profícuo como ela e uma de suas principais referências. 

No ensaio “Luto e Melancolia”, Freud se dedica a examinar os efeitos causados pela perda de uma pessoa amada ou de “uma abstração que ocupa seu lugar, como pátria, liberdade, um ideal”. Nesse livro, Smith transita entre esses territórios. De um lado, a perda de amigos e amores e, com eles, a perda de uma parte de si mesma; de outro, a perda de direitos e bens coletivos.

A eleição de Trump, a ascensão nacionalista, a catástrofe climática, os pequenos eventos cotidianos —tudo está tocado pela consciência da finitude. Mas ela não cede a caminhos fáceis, como o cinismo ou o alarmismo. A investigação que perscruta é, antes, investida da delicadeza e da sensibilidade que lhe são habituais.

O ano de 2016 foi também aquele em Patti Smith se apresentou na cerimônia de entrega do Nobel de Literatura e cantou “A Hard Rain’s A- Gonna Fall”, de Bob Dylan, laureado com o prêmio. Pois em “O Ano do Macaco” é possível notar a força que a canção de Dylan exerce sobre Smith, moldando estruturalmente o texto, principalmente no epílogo.

O texto de Smith está em diálogo com a música e com a poesia. A leitura faz pensar no poema “One Art”, de Elizabeth Bishop. Com estrutura que se assemelha a uma canção, Bishop tematiza “a arte de perder”. Elenca várias coisas perdidas às quais teria sobrevivido sem maiores estragos, desembocando na perda final.

A denegação só torna a dor mais assertiva, saltando do poema como uma afirmação que o contradiz. Em “O Ano do Macaco”, Patti Smith está às voltas com essas mesmas tensões e faz a sua própria lista de perdas. Em um dos trechos mais comoventes, oscila entre a constatação assombrosa da morte e a esperança insensata da vida — mais rarefeita nesse livro do que nos demais, mas ainda persistente.

“Sam está morto. Meu irmão está morto. Minha mãe está morta. Meu pai está morto. Meu marido está morto. Meu gato está morto. E meu cachorro que morreu em 1957 continua morto. E ainda assim eu continuo achando que alguma coisa maravilhosa está para acontecer. Quem sabe amanhã. Um amanhã e depois uma sucessão inteira de amanhãs.”

Artista faz shows no Memorial e debate no Sesc Pompeia 

Em sua passagem pela capital paulista, Patti Smith fará dois shows no Memorial da América Latina, na sexta (15), encerrando o Popload Festival, e no sábado (16). 

Antes disso, na quinta (14), às 14h, ela participa de debate sobre seus dois livros recém-lançados no Brasil, “Devoção” e “O Ano do Macaco”, no Teatro do Sesc Pompeia. A conversa terá mediação da editora Fernanda Diamant, curadora da Flip. Os ingressos para o evento são gratuitos. 

Patti Smith no Brasil
Conversa com fãs
Sesc Pompeia, r. Clélia, 93. Quinta (14), às 14h. Ingressos gratuitos distribuídos uma hora antes.

Popload Festival. Memorial da América Latina
Sexta (15), a partir das 11h. De R$ 290 a R$ 800. 

Show Popload Social 
Auditório Simón Bolívar (Memorial). Sábado (16), às 21h. Ingressos a partir de R$ 60.

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