Inspirado no Inhotim, centro cultural brota em antiga usina de açúcar em PE

Parque espalha obras de arte contemporânea em meio à paisagem canavieira da zona da mata

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Bruno Albertim
Água Preta (PE)

Protegido por um chapéu de palha, o cubano radicado em Madri Carlos Garaicoa examinava a paisagem entre montanhas sob o sol da zona da mata de Pernambuco.

Indicando onde deve ser erguida a instalação “Jardim Frágil”, parou à beira de um pequeno açude: “Aqui, o espelho d’água poderia ser visto através das paredes de vidro e integrado ao trabalho”.

Com obras espalhadas pelo mundo e incluído em listas de artistas contemporâneos mais influentes, Garaicoa passou a última semana no município pernambucano de Água Preta para planejar a instalação desta que deve ser a 21ª grande obra do parque artístico-botânico da usina Santa Terezinha.

Declaradamente inspirada no Inhotim, a antiga usina de açúcar, falida nos anos 1980, vai ressignificando a paisagem canavieira com arte contemporânea. A iniciativa é do casal de empresários Ricardo e Bruna Pessoa de Queiroz, herdeiros da propriedade. Há quatro anos, criaram a Usina de Arte.

“Quando conhecemos Inhotim, vimos que seria possível. Não sabíamos ainda como, mas resolvemos começar a implantar a ideia”, diz Ricardo. 

Há cerca de 6.000 pessoas vivendo nos entornos da Santa Terezinha. Desde a implantação do projeto, a comunidade criou seis pequenos restaurantes, serviços turísticos, uma pousada, uma associação com artesãos e ainda aluga casas durante o Festival Arte da Usina, realizado anualmente.

Uma das primeiras obras implantadas no parque, a Rádio Catimbó, de Paulo Meira, consiste numa instalação sonora e “viva”: é uma rádio comunitária montada numa antiga caldeira da usina.

“O parque botânico-artístico e o festival”, diz Bruna, “são apenas o lado mais evidente das ações de longo prazo”. Além de financiar residências de artistas e escritores, o projeto mantém uma biblioteca-escola centrada nas artes visuais e uma escola de música para os jovens da comunidade. Tudo é financiado com a venda de gado e de cana-de-açúcar, além do aporte de empresas.

No antigo hangar de aviões da usina, o artista paraibano José Rufino criou, há quatro anos, a primeira das mais de 20 obras. Batizado de “Scopolus”, o galpão foi convertido numa instalação com foices, estrovengas e outros instrumentos de trabalho dos antigos cortadores de cana. “A ideia é trazer a memória social por meio do trabalho”, diz Rufino.

Ao lado do artista Fábio Delduque, criador do festival paulista Arte na Serrinha, Rufino atua como curador da Usina de Arte. Numa área de cerca de 30 hectares, estão já instaladas obras de artistas como Paulo Bruscky, Marcelo Silveira, Frida Baranek, Joan Barrantes e Flávio Cerqueira.

No momento, a pernambucana Juliana Notari acompanha a execução de sua obra após uma residência de três meses. Intitulada “Diva”, consiste numa fenda de quase dez metros rasgando uma montanha numa alusão ao sexo feminino.

Ao contrário do Inhotim, a Usina de Arte não surgiu para abrigar grandes coleções previamente constituídas. “Felizmente, não temos um planejamento estático. As coisas vão acontecendo. Ou não teríamos feito metade do que fizemos”, afirma Ricardo. “Mas já temos necessidade de expandir. Há uma área maior que a atual sendo preparada.”

Carlos Garaicoa deve voltar no começo de 2020 para dar continuidade a “Jardim Frágil”. A obra traz elementos da poética recorrente do cubano —a reflexão sobre os hiatos e rupturas entre os projetos de modernidade e a falência na arquitetura das grandes cidades.

Usina de Arte

  • Onde Rod. PE 99, km 10, Água Preta, Pernambuco. Para visitar, entre em contato pelo site usinadearte.org
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