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Livro sobre Castello Branco, o 1º presidente da ditadura, ilumina o bolsonarismo

De acordo com Lira Neto, a retórica da caserna que repercutiu muito no século passado ainda tem efeitos

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São Paulo

No prefácio da nova edição da biografia “Castello - A Marcha para a Ditadura”, do jornalista Lira Neto, uma frase da historiadora Heloisa Murgel Starling salta à vista. 

“Chama a atenção do leitor a estabilidade de certas formas de violência política que atravessam a história do Brasil sem envelhecer”, ela escreve.

Lançado em 2004, o livro sobre o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, o primeiro presidente da ditadura militar, volta agora às livrarias sem que pareça datado —e os ajustes de uma edição para outra foram mínimos.  

OHumberto de Alencar Castello Branco (à dir.), presidente do Brasil entre 1964 e 1967 - Folhapress

Ao se empenhar num revisionismo histórico, especialmente em relação ao regime dos generais, o governo de Jair Bolsonaro põe a trajetória de Castello Branco na ordem do dia. Mas essa “incômoda atualidade”, no dizer de Lira Neto, vai além das histórias do marechal cearense.

Essa qualidade da obra, que a mantém viva, está ligada à concepção do projeto. O autor se impôs como desafio não apenas compreender a ascensão de Castello. Pretendia também entender “como as Forças Armadas, ao longo do século 20, se colocaram no papel de árbitro supremo da vida nacional”. 

De acordo com Lira, a retórica da caserna que repercutiu muito no século passado ainda produz efeitos. Vai do discurso salvacionista (“o Exército vai salvar o Brasil”) ao perigo vermelho (“o país precisa se proteger do comunismo”).

Lira se dedicou à biografia ao longo de quatro anos, entre 2000 e 2003. A pesquisa exigiu dele persistência e sorte. 

A primeira pesou na negociação com os militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) para consultar os documentos arquivados na instituição.

A segunda veio dos EUA. Ao saber que Lira escrevia sobre Castello, o brasilianista americano John Walter Foster Dulles enviou ao jornalista aproximadamente 300 transcrições de entrevistas que tinha feito na década de 1970. Entre os ouvidos por Dulles, estavam ex-presidentes, como Juscelino Kubitschek e João Goulart.  

Em 1979, o americano havia lançado biografia de Castello. Como era uma obra feita sob autorização da família, Dulles teve que excluir informações valiosas sobre o marechal, às quais Lira teve acesso mais de duas décadas depois.

“Dulles não se colocou como latifundiário do tema, o que é muito comum nos meios acadêmico e jornalístico. O importante é democratizar a informação”, diz o autor.

Além de documentos e entrevistas, ele se baseou em correspondências, diários e jornais da época. 

Em artigos publicados em 1933 na extinta Gazeta do Rio, um tal Coronel Y se opunha fortemente a alguns colegas de farda, os líderes tenentistas que buscavam o poder federal. “O militar-político é uma espécie de lobisomem, um homem de existência dupla e misteriosa, que mete medo”, escreveu. 

Coronel Y era o pseudônimo usado por Castello Branco. Como narra o livro, o militar rigorosamente legalista deu lugar, três décadas depois, a um dos articuladores do golpe de 1964. Um conspirador, enfim.

Conforme explica Lira, não há exatamente um marco que delimite essa conversão. Mas a rejeição ferrenha a Getúlio Vargas certamente contribuiu para essa mudança de comportamento. Lira, aliás, é autor de uma ambiciosa biografia de Getúlio, dividida em três volumes. 

As relações entre os nomes que compunham a cúpula militar e as diferenças entre eles são exploradas ao longo do livro agora reeditado. Grosso modo, havia os estrategistas, como Castello e Ernesto Geisel, e os impulsivos, como Costa e Silva. 

Em que grupo se encaixariam os generais que integram o governo Bolsonaro? Lira não pensa duas vezes. Augusto Heleno e cia. estariam no time de Costa e Silva.

Vivendo em Portugal há cerca de um ano, Lira se dedica a uma tese de doutorado na Universidade do Porto. Seu objetivo é comparar os Estados Novos de Brasil e Portugal a partir da construção das imagens dos ditadores dos dois países. 

Além disso, ele prepara o segundo volume da sua trilogia sobre a história do samba. Desta vez, vai abordar a chamada época de ouro do samba, período que se estende do início dos anos 1930 a meados dos anos 1940.   

Castello - A Marcha para a Ditadura

  • Preço R$ 80 (464 págs.)
  • Autor Lira Neto
  • Editora Companhia das Letras
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