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Maluco e anárquico, filme sobre universo de Laerte tem estreia lotada

'A Cidade dos Piratas' reúne mais de 30 anos de personagens da cartunista

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São Paulo

Para Laerte Coutinho, os quadrinhos são parentes do cinema, pois lidam de forma parecida com cenas sequenciadas. Isso não quer dizer, no entanto, que fazer um filme a partir de HQs seja fácil.

"É estranho, porque eu produzo em gotas, em pequenas doses”, disse a cartunista, sobre a experiência de ver seus principais personagens convertidos em longa-metragem. Os últimos 30 anos do trabalho de Laerte estão reunidos na animação “A Cidade dos Piratas”, do diretor Otto Guerra, que estreou na quinta-feira (31).

“O Otto fez uma coleta de toda uma série de histórias e transformou em um roteiro coerente, apesar de maluco e anárquico”, comentou Laerte. “Você chega ao fim e fala, 'Ah, um filme!’”

A cartunista, que começou a publicar na Folha no final dos anos 1970, participou de um debate de lançamento do filme no Espaço Itaú Augusta, em São Paulo, na quinta-feira. Lotado, o evento foi promovido pelo jornal e pela distribuidora Lança Filmes, e teve a participação da youtuber Jessica Tauane e mediação do jornalista da Folha Thales de Menezes.

Em vez de apresentar uma trama única, “A Cidade dos Piratas” se alterna entre histórias avulsas do universo estético e imaginário da cartunista. Há personagens clássicos como Overman, Muriel e os Piratas do Tietê, mas também sequências situadas no humor absurdo e no realismo fantástico que povoam a produção recente de Laerte. Não bastasse, foram incluídas alusões a um falso documentário sobre a produção.

A ideia inicial era produzir um filme inteiro sobre os Piratas, ao fim do qual eles dominariam a cidade de São Paulo —o título original foi mantido. Para a própria Laerte, no entanto, o humor escrachado e machista dos Piratas não envelheceu bem. “Engavetei meus personagens porque não via mais sentido em trabalhar usando os mesmos mecanismos de roteiro para produzir piadas”, afirmou. A solução foi fazer um filme que acompanhasse a sua evolução como cartunista, mais livre e menos caricatural.

O projeto demorou 25 anos para ser finalizado e seu roteiro teve dez versões. Muitos dos animadores e roteiristas presentes no início desistiram do trabalho. Otto Guerra, o diretor, também passou por transformações nos últimos anos. Ele teve câncer, história que aparece no filme em tom quase escatológico, e reavaliou os seus preconceitos. Guerra ainda se considera “um machista de merda”, mas diz que busca melhorar. “Estou levando uma surra imensa da vida, como todo mundo”, afirmou. 

Hoje muito à esquerda, Guerra chamou a atenção para o personagem Azevedo, um político do fictício Partido Revolucionário Conservador que reprime fantasias homossexuais, cuja voz é feita por Marco Ricca.

“Graças a Deus, o Bolsonaro assumiu a presidência e o filme virou uma coisa muito atual”, ironizou. “A Laerte previu o ódio que existe agora. O ódio do Azevedo é de 2007.”

Segundo o diretor, a inspiração para fazer um filme fragmentado veio do cinema marginal, uma de suas predileções. Guerra criticou o nível médio dos roteiros nacionais de animação. “O parâmetro de longa de animação no mundo está altíssimo, os filmes são geniais. Na animação brasileira, a gente não sabe fazer roteiro de longa-metragem.”

O ator Matheus Nachtergaele, que no filme interpreta o personagem Ivan, que esconde da mulher o hábito de usar roupas femininas, também participou do debate. Disse achar o filme “lindo, seja lá o que isso signifique”. Nachtergaele realizou um sonho antigo de trabalhar com desenho —antes de ser ator, estudou artes plásticas e chegou a produzir uma animação curta para um curso do MIS, que fez aos 15 anos.

“Achei que o Otto ia querer uma elasticidade vocal, uma coisa caricatural, e ele não quis”, afirmou. O diretor estava atrás de uma voz naturalista, que gerasse contraste com o traço do cartum. “Isso faz parte da beleza do filme.”

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