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Membro da ALN que lutou ao lado de Marighella terá história contada em filme

Contratempos podem fazer 'Codinome Clemente' chegar ao cinema junto com longa de Wagner Moura

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Salvador

Quando Carlos Marighella foi assassinado por agentes da repressão, numa emboscada na alameda Casa Branca, na noite de 4 de novembro de 1969, tinha com ele um bilhete que, em código, se referia a Clemente.

Era o codinome de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, adolescente de 19 anos que servia no Forte de Copacabana e integrava a Ação Libertadora Nacional, a ALN, comandada por Marighella.

Depois da morte de sua maior referência, Clemente entrou na clandestinidade e se tornou um dos mais ativos guerrilheiros urbanos na luta armada contra a ditadura militar, sobrevivendo de maneira improvável.

Marighella, baleado e preso em cinema no Rio de Janeiro, em maio de 1964 - Fundo Correio da Manhã/Arquivo Nacional

Foram vários os “funis” pelos quais passou —como definiu em depoimento à Comissão da Verdade da PUC-SP—, seja abrindo fogo, seja escapando incólume em cinematográficos lances de sorte.

Autor de contundentes e reveladores depoimentos sobre os anos de chumbo, Clemente morreu em junho, de câncer na laringe, aos 68 anos.

Sua última aparição pública foi em abril, no Festival de Cinema Brasileiro de Paris, cidade onde viveu exilado por oito anos, para apresentar o documentário “Codinome Clemente”, de Isa Albuquerque. “Clemente é um grande personagem, ele conservou uma narrativa muito clara e fluida sobre a própria vivência”, conta a diretora.

A ligação entre Marighella e Clemente levou Albuquerque a cogitar o lançamento de seu documentário nos cinemas brasileiros ao lado de “Marighella”. Mas dificuldades na distribuição de “Codinome Clemente” e o adiamento da estreia do filme de Wagner Moura impediram a ideia.

Em Paris, Albuquerque e Clemente assistiram juntos aos dois filmes pela primeira vez. “Ele foi às lágrimas, me agradeceu por ter realizado, e também gostou muito do trabalho de Wagner Moura.”

Esperando há quase um ano que a Ancine libere uma verba já aprovada para a distribuição do documentário, a diretora iniciou uma campanha de financiamento coletivo para arrecadar dinheiro e não perder o cronograma da distribuidora O2 Play, que prevê a estreia para abril de 2020.

Mesmo sem planejar mais os lançamentos em conjunto, Albuquerque acredita que, por caminhos paralelos, as duas obras podem entrar em cartaz lado a lado.

“O acaso nos trouxe até este momento, quando os dois personagens vieram se encontrar em duas narrativas diferentes e no mesmo momento que forças retrógradas assumiram o controle do país”, afirma a diretora.

“Ele, como Marighella, não teve tempo para ter medo”, diz a viúva de Clemente, a historiadora Maria Cláudia Badan, que no ano passado lançou pela editora Alameda o livro “Mulheres na Luta Armada”, estampando na capa uma fotografia de Ana Maria Nacinovic, o grande amor de Clemente nos tempos de ALN.

Poucos dias antes de sua morte, ao saberem do quadro irreversível, antigos companheiros se reuniram no Rio de Janeiro para gravar um vídeo de despedida, que Clemente viu no hospital em Ribeirão Preto, no interior paulista. “Não posso me queixar, vivi 50 anos a mais do que muita gente”, ele disse à mulher.

“Ele era sensível e emotivo. Quando estávamos na rua gravando o processo de perda dos companheiros, não conseguia se conter”, diz Albuquerque.

Sobre o passado de carbonário, Clemente dizia que não estava preparado para sobreviver à derrota, o que aconteceu depois de uma sequência lancinante de perdas num curto espaço de tempo durante o período da guerrilha urbana.

Principalmente a do núcleo de amigos do Rio, quase todos ex-colegas do Colégio Pedro 2°, formado por Luiz Affonso Miranda, Aldo de Sá Brito, os irmãos Alex e Iuri Xavier, Marcos Nonato —que entrou para a ALN aos 14 anos e morreu aos 19— e pela amada Ana Maria Nacinovic. Os três últimos foram vítimas da mesma emboscada no bairro da Mooca, em São Paulo, em 1972.

No seu livro “Viagem à Luta Armada”, Clemente contou que, em sonhos, ouvia vozes sem rosto lhe sussurrarem: “Que bom que está vivo, vivemos em você”.

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