Obras de Inhotim valem mais que a dívida de seu criador, diz laudo oficial

Bernardo Paz ofereceu parte do acervo para quitar dívida do grupo Itaminas com Estado

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Belo Horizonte

Uma lista que inclui obras de Adriana Varejão, Cildo Meireles, Amílcar de Castro e Delson Uchôa, foi avaliada em US$ 110,1 milhões (hoje, cerca de R$ 465 milhões) por um laudo apresentado no dia 8 de novembro à 1ª Vara de Feitos Tributários da Comarca de Belo Horizonte.

O documento, elaborado por determinação da Justiça, é o último de três laudos a avaliar o valor de 20 obras que estão atualmente no Instituto Inhotim, em Brumadinho e que podem ser usadas na quitação da dívida tributária do grupo Itaminas, na época sob direção de Bernardo de Mello Paz, com o Estado de Minas Gerais.

O valor estimado para as obras é quatro vezes superior ao saldo da dívida. Segundo o documento assinado pela empresa Verati Perícias Especializadas, convertido, o valor equivale a R$ 439,6 milhões. A dívida total de ICMS do conglomerado chegou a R$ 471,6 milhões, porém, com aplicação de reduções previstas em lei, passou para R$ 111,7 milhões.

Esse montante, calculado em março de 2018, ainda terá atualização pela taxa Selic até a adjudicação dos bens, conforme previsto no acordo assinado em abril de 2018 por Paz, empresas do grupo Itaminas, Inhotim e quatro secretários estaduais (Planejamento e Gestão, Fazenda, Cultura e Turismo).

Outro laudo, encomendado pelo governo de Minas, havia avaliado as obras em US$ 159,9 milhões (R$ 599 milhões) —só uma obra de Adriana Varejão, “Celacanto Provoca Maremoto”, teve valor estipulado em US$ 80 milhões (R$ 300 milhões). Os valores convertidos constam no documento.

Um segundo laudo chegou ao total de US$ 98,5 milhões pelas obras —o mesmo trabalho de Varejão foi avaliado em US$ 30 milhões, valor igual ao apontado no terceiro e último laudo, apresentado este mês.

Pelos termos do acordo, o valor a ser considerado é o da menor avaliação apresentada e o grupo Itaminas abre mão dos valores excedentes ao montante final. O acordo depende da homologação pela Justiça para seguir, mas antes deve ser avaliado pelas partes —o processo está agora com a AGE-MG (Advocacia Geral do Estado).

“A intenção final é preservar o Instituto Inhotim, pela importância que ele tem, tanto para a cultura, quanto para o turismo de Minas Gerais. As dívidas do grupo eram antigas, de 25 ou 30 anos, e até hoje o Estado, apesar dos esforços, não conseguiu reverter em dinheiro. Temos até risco de elas serem extintas”, explica o procurador do Estado, Marcelo Pádua.


As 20 obras foram oferecidas ao Estado depois que uma lei estadual de 2017 permitiu que dívidas adquiridas até 31 de dezembro de 2016 fossem quitadas com “obras de arte e objetos históricos, de autenticidade certificada, desde que inerentes às finalidades de órgão ou entidade do Estado ou com elas compatíveis”.

Entre elas estão “Desvio para o Vermelho” e “Glove Trotter”, de Cildo Meireles, “Beam Drop Inhotim”, de Chris Burden e “Sonic Pavillion”, de Doug Aitken. As obras estão em Inhotim em comodato através de acordo com a Horizontes Ltda, de Paz, por prazos de cerca de 25 anos.

O acordo prevê ainda que, enquanto as 20 obras estiverem no local, as demais obras (118, cita o documento) e objetos históricos, incluindo acervo botânico e paisagístico, não podem ser vendidas, emprestadas ou usadas como garantia, sem concordância expressa do Estado. A exceção é para a negociação da dívida do grupo Itaminas com a União.

Ele também determina que, em caso de dissolução do Instituto Inhotim (uma Oscip —organização da sociedade civil de interesse público) ou de empresas do grupo Itaminas, as demais obras têm de ser doadas ao Estado.

“O Inhotim vê com muito bons olhos. Desde o início, quando começou essa tratativa, tanto o instituto, quanto os próprios artistas, que estão envolvidos com as obras em questão, foram favoráveis, porque a gente enxerga como uma garantia de perenidade”, diz Antonio Grassi, diretor-presidente do instituto.

No início do ano, porém, o Ministério Público de Minas Gerais emitiu parecer contrário à negociação. Segundo a instituição, não há interesse público nela, nem valor econômico que possa ser convertido em espécie aos cofres públicos. A Promotoria também determinou diligências para averiguar a situação financeira atual do grupo Itaminas.

O MPMG diz que as obras poderiam ser mantidas no local através de tombamento e nega a tese de que o Estado teria de pagar indenização pelo processo. Em mensagem enviada pela assessoria à Folha, a promotora responsável, Elisabeth Cristina dos Reis Villela, diz que “causa estranheza e perplexidade” a insistência com o acordo.

“É pública e notória a crise financeira do Estado mineiro. São inúmeras as medidas econômicas com o intuito de recuperar ativos e o Estado está renunciando receita em troca de 20 obras de arte, cujo valor, além de não ser palpável e ser totalmente flutuante, jamais será convertido em receita líquida para os cofres públicos”, afirma.

Inhotim tem hoje 1.203 obras em comodato e uma média de 350 mil visitantes por ano. O espaço sentiu uma queda nos números depois do rompimento da barragem da Vale em janeiro deste ano, que deixou 256 mortos e ainda tem 14 desaparecidos. Em 2019, foram registrados cerca de 220 mil visitantes até agora.

Procurados pela Folha, os advogados do grupo Itaminas e de Bernardo Paz não retornaram ao contato.

Lista de obras que podem ser passadas ao Estado de Minas Gerais:

Adriana Varejão
"Carnívoras" (2008)
"Celacanto Provoca Maremoto" (2004-2008)
"Linda do Rosário" (2004)
"O colecionador" (2008)

Amílcar de Castro
"Sem título" (2001)

Chris Burden
"Beam Drop Inhotim" (2008)
"Beehive Bunker" (2006)
"Samson" (1985)

Cildo Meireles
"Através" (1983-1989)
"Desvio para o V ermelho; Impregnação, Entorno, Desvio" (1967-1984)
"Glove Trotter" (1991)
"Inmensa" (1982-2002)

Dan Graham
"Bisected Triangle, Interior Curve" (2002)

Delson Uchoa
"Correnteza" (1994-2007)
"Entre o Céu e a Terra" (2007)
"Portal 1 (Realidades Mistas)" (2006-2007)
"Xadrez de Chão" (2004-2007)

Doris Salcedo
"Neither" (2004)

Doug Aitken
"Sonic Pavilion" (2009)

Matthew Barney
"De Lama Lâmina" (2004-2009)

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