'Sente para ver e viaje', diz Ney Matogrosso sobre novo ao vivo gravado sem plateia

Censurado na ditadura, músico diz que 'única resposta é botar no ar uma coisa linda diante desse horror na política'

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São Paulo

Ney Matogrosso gosta de criar primeiro um novo show para só depois pensar no registro de um disco em estúdio. Em sua mecânica de trabalho, lança o álbum, começa a turnê e aí completa o ciclo com um registro em DVD.

Mas agora mudou tudo. O espetáculo que Ney mostra pelo país desde o primeiro semestre, “Bloco na Rua”, não terá as músicas gravadas em estúdio. Sai em DVD e CD ao vivo, mas num formato tão inovador que mereceria outra classificação.

Ney gravou o show completo, mas sem plateia. Apenas ele, a banda afiadíssima e a equipe de filmagem comandada pelo diretor Felipe Nepomuceno. “Gostei muito do resultado”, conta. “Não é um DVD de show, é uma terceira coisa. O que a gente está oferecendo é um passo adiante do show, um lance visual. Sente para ver e viaje, porque ele tem uma coisa lisérgica no resultado.”

A captação das imagens impressiona. São enquadramentos inusitados, muitos close-ups. Impossíveis de registrar em um show compartilhado com plateia. Tudo foi gravado sem parar, nada foi repetido.

Quem vê Ney se requebrando a cada canção pode pensar que ele cria coreografias que executa com rigidez. “Não é assim. Tem muito improviso, fico solto. Às vezes faço alguma coisa e gosto muito. Aí, no dia seguinte, eu não sei mais como cheguei naquilo, eu não lembro”, diz, rindo. “Acaba ficando sempre diferente.”

As versões físicas do CD e do DVD devem chegar às lojas em janeiro. O áudio do CD já está nas plataformas digitais, e as músicas do DVD vão ser lançadas na rede, como clipes.

O show abre com “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”, de Sérgio Sampaio. Como boa parte das músicas, vem dos anos 1970. Entre elas, há alguns “pares” de canções: duas de Chico Buarque (“Yolanda” e “Tua Cantiga”), duas de Fagner (“Postal do Amor” e “Ponta do Lápis”), duas de Rita Lee (“Jardins da Babilônia” e “Corista de Rock”), duas de Itamar Assumpção (“Já Sei” e “Já que Tem que”), e dois hits do Secos & Molhados, “Sangue Latino” e “Mulher Barriguda”. Ney se surpreende com a observação da reportagem.“Não atinei para isso. Agora, com você falando, é que estou vendo. Não foi de propósito.”

No caso do Secos & Molhados, banda seminal de Ney, João Ricardo e Gerson Conrad nos anos 1970, há uma terceira canção, “Tem Gente com Fome”, que muita gente não associa ao grupo. Essa a banda não conseguiu gravar, pois foi proibida pelo regime militar. “Gravei na minha carreira solo, em 1985, quando a censura liberou.”

“Como 2 e 2”, de Caetano Veloso, aparece no final do DVD, com imagens em preto e branco, como uma “faixa bônus”.

O cantor diz que o primeiro ano de governo Bolsonaro não chegou a afetar seu trabalho. “Nunca usei lei de incentivo, na única vez que eu tentei, eles recusaram.” 

Ney diz achar que a criatividade é a opção do artista em tempos difíceis. “A resposta para isso é você criar. Acabei de conhecer um projeto chamado ‘Macro’, do Pedro Luís e do Batman Zavareze, que é muito bom.A única resposta é botar no ar uma coisa linda como essa diante desse horror que se apresenta para a gente na política.”

Para ele, o corte de verbas na cultura ocupa o lugar da censura. “Podem dizer ‘ah, isso não é censura, estamos defendendo a família brasileira’ e tal. Mas não precisa aniquilar o cinema, porque existe faixa etária para a exibição dos filmes, não? Isso é conversa fiada.”

O músico rodou com o show do disco anterior, “Atento aos Sinais”, por cinco anos. “Quando estávamos com dois anos de turnê, achei que era hora de parar. Mas houve uma demanda tão grande, nós não pudemos encerrar.”

Com apresentações em São Paulo nos dias 6 e 7 de março, no UnimedHall, Ney seguirá em turnê com “Bloco na Rua” em 2020, mas não arrisca previsões. “Eu não sei o que vai acontecer, porque eu estou com 78 anos. Até quando vou aguentar fazer uma coisa dessas? Eu vou até onde der.”

Bloco na Rua Ney Matogrosso

  • Quando Shows em São Paulo nos dias 6 e 7 de março, no UnimedHall (av. das Nações Unidas, 17.955), às 22h; R$ 140 a R$ 380
  • Onde Disponível nas plataformas digitais
  • Gravadora Som Livre
Erramos: o texto foi alterado

Na galeria de imagens, uma foto de Rita Vicente estava creditada a Marcos Hermes. O erro foi corrigido.

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