Quando a adolescente sueca Greta Thunberg assumiu o microfone em um discurso das Nações Unidas e culpou a geração anterior por sequestrar o seu futuro —e o de todos jovens— a internet explodiu com pessoas acusando-a de alarmista.
“A Nova Idade das Trevas”, lançamento de James Bridle, não mudará a mentalidade dos mais teimosos, mas oferece uma fundamentação repleta de exemplos concretos para temer o futuro.
Bridle explora, além de artigos científicos, relatórios oficiais de governos e empresas preocupadas com as maneiras como as mudanças climáticas afetarão seu lucro. Ele pesa os prós e contras de todos avanços tecnológicos, com a certeza de que nossa situação atual, e sua tendência a acelerar, é insustentável.
Sabe-se, por exemplo, que a aviação civil, responsável por encurtar as distâncias do mundo ao longo do século 20, é uma das grandes fontes de poluição aérea, e a própria aviação sentirá os efeitos das mudanças, com um aumento drástico em casos de turbulência de ar claro no hemisfério norte.
A internet, por sua vez, ubíqua em nossas vidas, tem sua contrapartida muitas vezes encoberta.
Onde estão armazenados a biblioteca imensa de filmes e séries oferecidas pela Netflix, todos os chats, perfis e fotos do Facebook? Em centros de dados instalados em países frios da Escandinávia ou em paraísos fiscais, consumindo quantidades monstruosas de energia que seriam capazes de iluminar cidades inteiras, e colaborando com o aquecimento global (que, por sua vez, dificultará cada vez mais o resfriamento desses servidores).
“Os 416,2 terawatt-hora de eletricidade que os data centers globais consumiram em 2015 excederam o total de consumo do Reino Unido”, calcula o autor, que diz serem vantajosas para as empresas a ocultação da infraestrutura e a incompreensão geral de como funcionam instrumentos abstratos que moldam nossas vidas digitais e reais.
Ainda que Bridle sempre retorne à questão climática no livro, o que une todos os assuntos abordados é a ilusão que tínhamos de que a tecnologia seria capaz de dar conta dos problemas contemporâneos, que o acúmulo absurdo de dados traria soluções para o clima, para a criminalidade, para as guerras.
Nossa mentalidade seria computacional, quando na verdade não temos metáforas para compreender como as máquinas e as tecnologias funcionam de fato. Ao tratar de redes neurais que jogam xadrez ou Go, Bridle explora como as máquinas passaram a pensar por contra própria e como o raciocínio
destas é alienígena para nós, humanos, inclusive para os programadores.
“Quanto mais ficamos obsessivos em computar o mundo, mais complexo e incognoscível ele parece”, afirma o autor, que parece alinhar-se, ou ao menos complementar, outros intelectuais que abordaram esses tópicos em publicações recentes.
Enquanto Bridle se preocupa com o fato de que a pluralidade de visões de mundo gerou teorias da conspiração e fragmentação, o filósofo coreano Byung-Chul Han estuda, em “Psicopolítica” (Ed. Âyiné), como a conexão constante estimula a competitividade e gera novos meios de exploração para o capitalismo tardio. O pessimismo, por sua vez, é um eco de “Depois do Futuro” (Ed. Ubu), do teórico italiano Franco Berardi, que analisa como o entusiasmo do começo do século 20 com as máquinas se transformou numa visão catastrófico de um “futuro cancelado”.
“A Nova Idade das Trevas” não é um chamado à ação, nem adota atitudes luditas em relação à tecnologia, mas propõe reflexão a respeito da posição dos humanos em relação às máquinas.
“Sabemos cada vez mais sobre o mundo, mas somos cada vez mais incapazes de fazer algo a respeito do que sabemos.” Espera-se que tenhamos forças para discordar disso.
Antônio Xerxenesky, tradutor e escritor, é doutor em teoria literária pela USP
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