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Cinema brasileiro viveu 2019 entre elogios e crises no seu fomento

Indefinições na Ancine se instauraram no fim de março e parecem longe do desfecho

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Udo Kier em 'Bacurau', de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Silvero Pereira em 'Bacurau', de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles Divulgação

São Paulo

Ao menos quando se fala de cinema nacional, 2019 foi um ano agridoce.

O bocado açucarado vem do reconhecimento internacional alcançado por filmes brasileiros nos últimos meses.

Em maio, o Festival de Cannes, o mais importante do mundo, concedeu troféus inéditos a dois títulos nacionais —enquanto “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, dividiu o prêmio do júri na competição principal, “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz, foi o vencedor da mostra Um Certo Olhar.

Alguns meses depois, eles e outros cineastas na linha de frente da geração atual viraram tema de uma edição especial da Cahiers du Cinéma. A tradicional revista os aclamou como autores de uma das produções mais férteis do globo.

Isso sem falar dos prêmios conquistados em outros festivais, como os de Veneza e de Locarno, e das novas fronteiras cruzadas por produtores brasileiros. Se Rodrigo Teixeira, da RT Features, se juntou a nomes como Robert Eggers (“O Farol”), Olivier Assayas (“Wasp Network”) e James Gray (“Ad Astra”), os irmãos Gullane se aliaram ao veterano diretor italiano Marco Bellocchio para  “O Traidor”.

Muitos analistas creditam esse florescimento a uma série de políticas públicas implementadas no país a partir dos anos 1990, depois do “apagão” da produção nacional durante o governo Collor. É aí que entra a parte amarga —essas mesmas políticas podem estar em risco.

Primeiro, devido a uma crise interna do órgão responsável por fomentar e regular o audiovisual no país, a Ancine, Agência Nacional do Cinema.

A crise se instaurou no final de março, quando o Tribunal de Contas de União apontou irregularidades no processo de prestação de contas da agência

Em resposta, seu então presidente, Christian de Castro, paralisou os repasses para filmes e séries —decisão que prejudicou o setor e foi criticada pelo próprio tribunal.

Meses depois, em agosto, a trama ganhou contornos rocambolescos quando uma decisão judicial afastou Castro, citando um processo em que ele é acusado de conluio contra dois diretores da Ancine.

Uma liminar chegou a reconduzir o presidente ao posto antes de ele renunciar, em novembro, afirmando ter como objetivo planejar sua defesa. Desde então, no entanto, a diretoria da agência vem operando com apenas um membro. Deveriam ser quatro, contando o presidente.

Christian de Castro, presidente afastado da Ancine
Christian de Castro, presidente afastado da Ancine - Zanone Fraissat/Folhapress

O governo federal, por sua vez, também protagonizou uma série de embates com o setor. Alguns mais escandalosos, como quando o presidente Jair Bolsonaro disse que não podia admitir filmes como “Bruna Surfistinha”, e outros mais burocráticos, como a demora para reunir o Conselho Superior do Cinema, que define as diretrizes para o audiovisual no país —seu primeiro encontro só aconteceu em outubro.

Enquanto isso, a crise econômica, aliada à diminuição da verba para patrocínios da Petrobras, prejudicou alguns dos principais festivais cinematográficos do país. Como resultado, alguns dos eventos mais queridos pelos cinéfilos daqui, como o Anima Mundi e o Festival do Rio, se viram obrigados a passar um chapéu virtual para realizarem suas edições, mais minguadas do que as de tempos áureos.

Nesse cenário de ânimos à flor da pele e uma polarização que não arrefeceu após as eleições, “Bacurau” arrebatou as plateias brasileiras, virou meme e seguiu recrutando espectadores semanas a fio.

O faroeste distópico sertanejo não foi o único a apostar numa alegoria para o conflito entre ricos e pobres no período. Alguns dos títulos mais celebrados de 2019, como “Coringa” de Todd Phillips, “Parasita”, do sul-coreano Bong Joon-ho, e “Nós”, de Jordan Peele, fizeram desses confrontos batalhas literais, cujos finais só faltaram espirrar sangue da tela.

Menos catárticos foram os capítulos finais de duas das principais franquias de Hollywood.

Numa versão com seis minutos extras, o “ultimato” dos Vingadores tirou de “Avatar” o recorde de maior bilheteria de todos os tempos, com quase US$ 3 bilhões (R$ 10 bilhões).

E não é impossível que o novo “Star Wars”, que estreou neste mês, consiga mais um lugar entre as maiores bilheterias do ano para a Disney. Ela chegou a dezembro ocupando seis dos dez primeiros títulos da lista.

Com a temporada de premiações chegando, mais um capítulo da queda de braço entre os estúdios e as plataformas de streaming também se aproxima. A expectativa é que a Netflix, que convenceu Martin Scorsese (“O Irlandês”), Noah Bambauch (“História de um Casamento”) e Fernando Meireles (“Dois Papas”) a se juntarem a sua causa, vença o duelo desta vez. 

CONTROVÉRSIAS DE 2019

Ancine
O órgão, que regula e fomenta o audiovisual no país, passou por uma grande crise interna e, nos últimos meses, teve uma mudança do Rio de Janeiro para Brasília anunciada, todos os pôsteres de filmes nacionais retirados das paredes de sua sede, e a realização de uma sessão interna de ‘A Vida Invisível’ impedida.


‘Marighella’
Lançado sob aplausos no Festival de Berlim, no início do ano, o filme biográfico sobre o guerrilheiro, dirigido por Wagner Moura e estrelado por Seu Jorge até agora não ganhou data de estreia devido a um imbróglio burocrático.


Trabalhadores, uni-vos? 
"Bacurau" e "Coringa", dois filmes que opõem ricos e pobres, dominaram as discussões na internet e nas mesas de bar; produções como "Parasita", "Nós", "Entre Facas e Segredos", e "A Odisseia dos Tontos" também abordaram o assunto.


MeToo
O movimento de denúncia do assédio na indústria cinematográfica iniciado em 2017 foi assunto direto ou indireto de vários filmes, e a discussão sobre "cancelar" famosos envolvidos em escândalos do tipo ganhou novas camadas com a premiação de "J’Accuse", de Roman Polanski, no Festival de Veneza —ele foi condenado por abusar de uma adolescente de 13 anos— e a estreia do novo filme de Woody Allen em diversos países, mas não nos Estados Unidos

APOSTAS PARA 2020

Super-heróis...
Por mais que o diretor Martin Scorsese tenha dito que os filmes da Marvel estão mais para parques temáticos do que para cinema, a tendência de franquias e multiversos parece estar longe de acabar; a empresa começa no ano que vem sua fase quatro, com títulos como "Os Eternos".


...e heroínas
Alguns dos principais títulos de heróis serão, na verdade, protagonizados por mulheres; vêm aí "Aves de Rapina" (capitaneado pela Arlequina de Margot Robbie), "Viúva Negra", com Scarlett Johansson, e "Mulher Maravilha 1984", com Gal Gadot, além de uma versão com atores de "Mulan".


Incógnita
São as situações da Ancine e da produção cinematográfica brasileira no ano que vem, depois de um 2019 parado; o caso é semelhante ao dos festivais, que dependeram de vaquinhas neste ano.

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