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Fracasso de 'Cats' não se resolve apenas com o aperfeiçoamento de efeitos visuais

Prazer coreográfico some em versão de musical para o cinema

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Cats

  • Quando Estreia nesta quarta (25)
  • Classificação Livre
  • Elenco Francesca Hayward, Taylor Swift, Idris Elba, Judi Dench
  • Produção EUA/Inglaterra, 2019
  • Direção Tom Hooper

A durabilidade do sucesso do musical “Cats” na Broadway era um prenúncio de que algum dia a cantoria felina reencarnaria no cinema. Afinal, a ideia de fórmula testada e aprovada em formatos como livros e teatro sempre atraiu o faro hollywoodiano para o lucro.

A expectativa de sucesso automático começou a ser frustrada há alguns meses, quando o trailer do filme foi recebido com uma intensa zombaria direcionada à aparência bizarra dos personagens, atores transformados em bichanos por meio de computação gráfica.

As primeiras apresentações do filme na semana passada nos Estados Unidos e na Inglaterra só agravaram a recepção azeda, com a maioria da crítica destilando seu habitual mau humor verbal sobre o resultado dos efeitos visuais, o excesso de sombras sobre as faces, os cenários escuros e alguns movimentos dos corpos considerados longe do “natural”.

Cena do filme 'Cats'
Cena do filme 'Cats' - Divulgação

Resultado: a má fama de “Cats” viralizou. Para amenizar o prenúncio de catástrofe de uma produção cujo orçamento gira em torno de US$ 100 milhões (cerca de R$ 408 milhões), a Universal recolheu centenas de cópias e notificou os exibidores, no dia da estreia, que enviaria novas cópias após fazer “aperfeiçoamentos nos efeitos visuais”, segundo a revista Hollywood Reporter.

A decisão lembra a que a United Artists tomou em 1980, quando o “O Portal do Paraíso”, um épico dirigido por Michael Cimino, depois de inúmeros estouros de orçamento, foi chacinado pela imprensa. 

O estúdio recolheu as cópias e só relançou o filme meses depois em uma versão amputada, que não conseguiu evitar o colapso financeiro.

No caso de “Cats”, o estranhamento provocado pelos efeitos visuais não é sinônimo de “defeito”. O olhar de espectador como é o da maioria dos críticos não costuma ser tecnicamente informado para avaliar a competência dos efeitos. No máximo, constatamos sua adequação ou, em termos mais sinceros, seu grau de verossimilhança.

O parâmetro fotorrealista, ou seja, a proximidade com o que nossa percepção considera real tornou-se o critério vulgarizado. O efeito é considerado bom quando rejuvenesce imperceptivelmente Robert De Niro em “O Irlandês” ou nos leva a enxergar a animação de “O Rei Leão” como animais “de verdade”.

“Cats”, ao contrário, busca uma solução híbrida na qual a forma humana das faces e dos corpos dos atores mantém-se visível sob os efeitos, o que pode ou não ser uma boa escolha, mas não chega a ser um defeito. 

Afinal, não vamos ao cinema apenas para assistir a um elenco de boas vozes e ótimos dançarinos. Pagamos para ver estrelas. 

A máscara digital substituiu a maquiagem usada nas montagens teatrais porque agrega valor tecnológico e também porque mantém reconhecíveis as atrações principais do filme “Cats”: o valor de face de Taylor Swift, Idris Elba, Judi Dench e Ian McKellen.

Uma das dificuldades da transposição não é técnica, mas narrativa. O espetáculo baseia-se em uma coletânea de poemas de T.S. Eliot, “Old Possum’s Book of Practical Cats”, musicados para os palcos pelo midas Andrew Lloyd Webber. 

Sua estrutura acompanha a disputa presidida pela veterana Deuteronomy, uma espécie de audição na qual será escolhido quem tiver o melhor desempenho.

O formato, portanto, é de sucessão de números musicais em vez da convencional intriga. Para complicar, quase não há diálogos e o filme inteiro é narrado com base nas canções, uma experiência radical autorizada somente a ousados modernistas de outros tempos, como Jacques Demy.

Este conceito de musical total exige, no entanto, um nível a mais de encantamento, de envolvimento que faça a plateia ceder ao artificialismo. É nisso que “Cats” encontra seu maior problema. 

Enquanto no teatro assistimos à distância e a atenção abrange o conjunto, o filme insiste na individualização por meio de closes e de uma edição que prioriza os detalhes dos movimentos.

A ideia de incluir o espectador na cena funciona apenas nos momentos de performances individuais. 

Mas o prazer cenográfico e coreográfico some de cena, indicando que o fracasso de “Cats” no cinema não se resolve aperfeiçoando os efeitos.

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