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Legado de Marin Alsop é de trabalho árduo e foco na estrutura das obras

Regente titular da Osesp encerra sua gestão esta semana, com a 'Nona Sinfonia' de Beethoven, após oito temporadas

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Com a “Nona Sinfonia” de Beethoven, nesta semana, Marin Alsop encerra sua gestão como regente titular da Osesp. Foram oito temporadas, desde 2012, e o primeiro aspecto a ser celebrado é a estabilidade institucional, isto é, a tranquila passagem de bastão para o suíço Thierry Fischer, sem os sobressaltos e desgastes das mudanças súbitas.

Alsop foi anunciada como regente ainda em 2010, após ter regido a orquestra uma única vez —a “Sinfonia nº 7” de Mahler—, algo similar ao que ocorreu este ano com Fischer, que só havia comandado a Osesp em duas ocasiões.

mulher conversando com outra em frente a um piano
Ensaio da Orquestra de Sao paulo, Osesp, regido pela titular Marin Alsop e com participação da solista Gabriela Montero - Joel Silva/ Folhapress

Antes de assumir oficialmente, ela participou da temporada 2011 com outra performance mahleriana, a “Sinfonia nº 5”. Ao longo dos anos, apresentou todas as sinfonias do compositor.

Ao abrir a temporada 2012 no Dia da Mulher, Alsop regeu de memória uma impressionante “Sinfonia nº 5” de Chostakóvitch. Ela voltaria à obra com uma interpretação ainda mais emocionante em 2016.

Uma curiosidade: em seu programa de estreia como titular, antes do compositor russo, ela atacou uma peça encomendada a Clarice Assad. Não por coincidência, uma nova obra da carioca integra o programa de despedida.

A temporada 2012 foi vibrante, com destaque para as abordagens do “Concerto para Orquestra” de Bartók, “Concerto para Violino” de Sibelius —solado por Jennifer Koh—, e o programa com o compositor visitante Magnus Lindberg.

Em 2013, a “Sinfonia nº 1” de Mahler ainda carecia de ajustes antes da turnê europeia, mas a “Sagração da Primavera”, de Stravinski, que fechou a temporada, foi notável pela fluência, equalização da superposição dos blocos sonoros e qualidade de som.

Aos poucos as características de Alsop como regente se fizeram notar. Suas interpretações têm força cognitiva e abdicam de efeitos fáceis —ela nunca nivela por baixo—, priorizando a estrutura. Marin tem ouvido harmônico privilegiado, e fez com que a Osesp deixasse sempre mais evidentes as vozes
internas das texturas sonoras.

Encerrando com “Carmina Burana”, 2014 foi o ano em que o repertório adicionou novos ingredientes, como o “Concerto para Saxofone” de John Adams e a ópera “Candide”.

Uma cumplicidade maior entre ela e a orquestra começou a se evidenciar em 2015, ano em que a temporada começou e fechou com Mahler.

Em 2016, além da inesquecível “Quinta” de Chostakóvitch, cabe mencionar o ciclo dos “Concertos para Piano” de Beethoven, com Paul Lewis, a estreia do “Concerto nº 2 para Percussão” de James McMillan e as turnês que levaram a Osesp aos festivais de Lucerna e BBC Proms, de Londres.

Alguns dos melhores concertos de 2017 foram regidos por Alsop, como “War Requiem”, de Britten, e “Rapsódia para Contralto”, de Brahms, mas justamente a “Nona Sinfonia” não foi exemplar na abertura da temporada.

Nos dois últimos anos, entretanto, houve menos destaques com a titular, o que poderia sinalizar um desgaste. Mesmo assim, sua presença foi marcante na “Eroica” —no ciclo das nove sinfonias de Beethoven— e, neste ano, numa sensacional “Nas Estepes da Ásia Central”, de Borodin.

A personalidade séria e trabalhadora de Alsop fez bem ao ambiente muitas vezes personalista e informal que reina em orquestras brasileiras. Ela é consciente da importância de ser uma mulher a ocupar as posições que tem ocupado, mas não permite que isso se sobreponha à “musicalidade da música”. O ativismo é transparente, mas as ideias sonoras estão em primeiro lugar.

Apesar do lançamento de seis CDs com a integral sinfônica de Prokófiev, a Osesp poderia ter gravado mais com ela. E se há uma obra entre os grandes clássicos que não teve uma performance memorável com Alsop e Osesp, é justamente a “Nona” de Beethoven. Ela tem horror a andamentos arrastados, e, tanto em 2014 como em 2017, a pressão e os riscos assumidos não foram sustentados até o final.

Quem sabe a hora seja agora.

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