MAM mostra duelo entre o abstrato e a figuração na obra de Antonio Bandeira

Retrospectiva do artista em São Paulo lança novo olhar sobre classificação de suas pinturas

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São Paulo

Morto aos 45 anos, em 1967, o pintor cearense Antonio Bandeira ficou conhecido como um dos maiores expoentes do abstracionismo informal no país. Mas uma exposição que o Museu de Arte Moderna de São Paulo inaugura nesta quarta busca discutir essa herança.

Afinal, diz Regina Teixeira de Barros, à frente da mostra com Giancarlo Hannud, os padrões em forma de jogo da velha que se alastram pelas superfícies de muitas de suas telas mostram uma construção geométrica planejada, que se afasta da abstração lírica —que, diferente da abstração geométrica, tem pincelada livre.

Por outro lado, o próprio Bandeira não se considerava um pintor abstrato, e em diversas entrevistas disse que partia de paisagens urbanas e naturais para criar suas obras. Prova disso são os títulos que dava aos quadros: “Cidade”, “Casas Londrinas”, “Árvores Azuis”.

“Acho que esse confronto entre abstração e figuração é uma das coisas que permeia toda a obra dele, assim como a ambiguidade entre planejamento e acaso”, diz Teixeira de Barros.

As tendências são visíveis nos cerca de 60 trabalhos reunidos cronologicamente na exposição, remontagem de uma mostra exibida há dois anos no Espaço Cultural Unifor, na Universidade de Fortaleza, cidade natal de Bandeira.

Aos 20 e poucos anos, então uma jovem promessa da pintura, Bandeira se mudou de Fortaleza para o Rio. Demorou um ano até que ganhasse uma bolsa de estudos para estudar em Paris, onde morou até o fim da vida, entre idas e vindas.

Foi ali que o artista, que retratava o cotidiano da periferia, migrou para a pintura abstrata, influenciado pelos franceses Camille Bryen e George Mathieu e pelo alemão Wols —o último, autor de obras tão semelhantes às de Bandeira que até o cearense penava para distinguir seus quadros daqueles de Wols, conta Teixeira de Barros.

Não são as únicas influências que os visitantes vão notar nos trabalhos expostos no MAM. Duas pinturas com quadradinhos coloridos enfileirados remetem ao suíço Paul Klee. Uma outra mescla as linhas e elementos geométricos do catalão Joan Miró às cores primárias do holandês Piet Mondrian.

A maioria das obras, no entanto, lida com combinações entre um plano mais abstrato, formado por camadas de respingos de tinta e estênceis, e outro composto por linhas e formas geométricas.

À medida que a carreira de Bandeira avança, suas criações cada vez mais priorizam um ou outro plano, com obras em que os riscos de tinta soterram o restante da pintura ou os padrões geométricos são substituídos por formas livres, caso do “Autorretrato” que encerra a mostra.

'Autorretrato', pintura a óleo de Antonio Bandeira de 1965 exibida em sua mostra no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP)
'Autorretrato', pintura a óleo de Antonio Bandeira de 1965 exibida em sua mostra no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) - Ding Musa/Divulgação

A evolução temporal também é testemunha de experimentações cada vez mais radicais, em que Bandeira usa como suporte materiais como flãs de jornais, papelão e juta.

Essas transgressões, afirma Teixeira de Barros, são prova da vivacidade da obra do artista, situada no limiar entre a arte moderna e a contemporânea.

A exposição é a primeira de Bandeira num museu paulista em quase 15 anos —a última foi no Masp, em 2005. E encerra um ano em que, além de seu tradicional Panorama, o MAM teve quase todas as mostras feitas com o acervo.

Além disso, o período foi marcado pela saída de Milú Villela da presidência do museu após 24 anos. O bastão foi passado para a advogada e colecionadora Mariana Guarini Berenguer, que ainda não anunciou seus planos para a instituição.

O ano que vem, porém, traz algumas promessas, como uma retrospectiva de Antonio Dias e uma individual de Laura Lima (veja abaixo).

2020 no MAM-SP

MARÇO A MAIO

Antonio Dias
Retrospectiva acontece quase um ano após morte do artista paraibano, em agosto de 2018, e reúne tanto obras pouco exibidas dos anos 1960 e 1970 quanto sua produção recente

20 Anos do Clube de Colecionadores de Fotografia
O clube, criado para incentivar o colecionismo e aumentar a quantidade de fotografias no acervo do MAM, financiou trabalhos de artistas de diferentes perfis e gerações; cem destes trabalhos, produzidos desde 2000, serão mostrados na exposição

JUNHO A AGOSTO

Família Gomide-Graz
Iniciando os festejos da Semana de Arte Moderna, em 1922, a mostra reunirá trabalhos de Antônio e Regina Gomide e de John Graz, pioneiros das composições geométricas abstratas no Brasil que participaram da semana

Tapeçarias de Douchez e Nicola
Exibirá tapeçarias do francês Jacques Douchez (1921-2012) e do paulistano Norberto Nicola (1930-2007), pioneiros da prática no país

SETEMBRO

Laura Lima
Trabalhos centrados no corpo como suporte, referência e duplo do objeto de arte integram a seleção da individual da artista, sua primeira no MAM

36ª Bienal de São Paulo
A instituição será uma das muitas em São Paulo a exibir individuais de artistas que participam da exposição

Exposições

Antonio Bandeira

Museus

Nesta individual, Antonio Bandeira tem todas as fases de sua vida revistas, desde suas primeiras obras que incluem pinturas figurativas, aquarelas e guaches da década de 1940 até suas telas abstratas e experimentais, que contam com quadros que contam com fitas adesivas e flãs de jornal.

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