Acaba de morrer o grande historiador Stanley J. Stein, que completaria cem anos em junho de 2020, mas tinha cabeça, jeito, energia e valores de um jovem irrequieto. Ele era especializado em história da América e portuguesa, mas se apaixonou mesmo foi pelo Brasil. Seu trabalho sobre Vassouras, de 1957, mostrou um outro mundo da escravidão. Stan, como era conhecido, gravou nessa pesquisa, quase que sem querer, o canto dos Jongueiros, talvez o único relato desse tipo de manifestação cultural.
Ele era professor dos mais queridos em Princeton e jamais deixou a universidade. Assistia cursos sobre Brasil com a alegria de um estudante curioso, não perdia uma palestra, fazia perguntas atrevidas e se encantava com tudo que aprendia. Assistiu a um curso sobre marcadores sociais da diferença que ministrei faz um ano e se encantou com a discussão de gênero. “Nunca tinha pensado dessa maneira” ele me segredou com expressão malandra. Discutia história do pensamento brasileiro e não perdoava Gilberto Freyre. Falava português com um sotaque delicioso e praticava o idioma sempre que podia. “Para não enferrujar”, dizia ele.
Stan tinha cadeira cativa no restaurante Mezza Luna e chamava todos os garçons pelo nome e eles faziam o mesmo. Eram imigrantes, me explicava ele, “todos explorados”.
Da última vez que o encontrei, em novembro passado, confessou que “não se conformava que nós brasileiros tivéssemos eleito um “presidente retrógrado e fascista”. Ele que era um intelectual progressista não escondia sua indignação diante da guinada que o mundo estava dando, e se dizia “frustrado com isso tudo”.
Stan era um pensador que tinha coragem de se indignar e andava decepcionado com esse mundo aonde pessoas como Trump e Bolsonaro chegavam ao poder. Morreu cercado por amigos, pela família que o adorava e pela namorada Beth. Morreu como viveu com independência intelectual e imensa autonomia. Vai deixar muita saudade nesse mundo tão sem utopia.
Lilia Schwarcz é historiadora e antropóloga da Usp, professora visitante em Princeton desde 2009
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