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Romance vencedor do prêmio Oceanos reflete sobre a condição de migrante

Com enredo simples tecido com maestria, 'Luanda, Lisboa, Paraíso' é de uma beleza ímpar

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Luanda, Lisboa, Paraíso

  • Preço R$ 59,90 (200 págs.)
  • Autoria Djaimilia Pereira de Almeida
  • Editora Companhia das Letras

Talvez tudo que você precise saber sobre “Luanda, Lisboa, Paraíso”, segundo livro da escritora portuguesa nascida em Luanda, Djaimilia Pereira de Almeida, vencedor do prêmio Oceanos deste ano, é que se trata de uma beleza ímpar.

Enredo é simples. Filho de Glória e Cartola, Aquiles nasce em Luanda, com uma má-formação no calcanhar (daí o seu nome) e viaja aos 15 anos para uma série de cirurgias em Lisboa, junto do seu pai, com quem depois irá morar no bairro de Paraíso. Sua mãe permanece em Luanda, com complicações decorrentes do parto, passando os dias presa à cama, aos cuidados das familiares.

Em “Luanda, Lisboa, Paraíso”, tudo é um misto de transitoriedade e permanência. A começar, pelo título. Este remete a uma sequência de lugares, como se fora um itinerário, mas também serve de lembrança das relações —estanques porque permanentes— que cada um destes lugares e pessoas mantêm com outros.

Djaimilia Pereira de Almeida na Flip de 2017, em Paraty (RJ)
Djaimilia Pereira de Almeida na Flip de 2017, em Paraty (RJ) - Bruno Santos/Folhapress

​Djaimilia encontra outra forma de brincar com a ambivalência espacial: o livro é recheado de cartas trocadas entre Glória e Cartola. Ao reproduzi-las, a escritora parece dar um sentido de fluxo à narrativa, seja de sentimentos, seja das encomendas que a mulher pede ao marido. 

“Os portadores trazem e levam encomendas, mas nenhuma sabe o que transporta: se documentos, se certidões de óbito, se oxigênio, medo, remorsos, cartas de alforria.” Contrasta com tal fluidez a condição física persistente de Glória.

Diáspora e ideia de pertencimento são temas recorrentes na escrita de Djaimilia. Se na obra predecessora, intitulada “Esse Cabelo”, a escritora tratou em primeira pessoa da noção de fronteiras por meio de seu cabelo crespo, aqui faz uso das delicadezas de um drama familiar para abordar tema semelhante: o que é sentir-se em casa? Luanda, Lisboa, Paraíso ou um misto fluido de tudo isso ao mesmo tempo?

Estudos pós-coloniais e decoloniais questionam atualmente a divisão fixa entre ex-colônias e ex-metrópoles. Como hoje formas de subordinação se reproduzem por meio do uso de noções de pertencimento racial e nacional?

Djaimilia, ao escolher falar de pertencimento não por meio de análises macro, mas pelo microcosmo das relações familiares e de amizade entre suas personagens, permite ver as nuances pós-coloniais. 

Há lugar para pensarmos em Cartola e Aquiles para além da condição de migrantes? Há lugar para refletirmos sobre a condição de Glória como mulher além das relações de cuidado e afeto? Essas são algumas das grandes questões que Djaimilia astutamente esconde no drama familiar. Ao esconder, as revela completas em suas nuances.

Na linguagem, o livro é excepcional. A autora tece as frases com a maestria de uma artesã. Embora já tenha se tornado um clichê comparar a arte da escrita ao ofício de uma tecelã, não imagino outra metáfora para a escrita entrelaçada —tão delicada quanto resiliente.

De que outra forma eu poderia explicar frases como “Num abrir e fechar de olhos, entre colo, lições, esperanças e palmadas, a flor tornou-se fruto e o menino aprendeu a conjugar o verbo ser”? Inúmeras vezes, tive de pausar, ler duas ou três vezes frases como essa. Não porque a escrita seja ininteligível. Pelo contrário. Porque na simplicidade cortante das frases, Djamilia esconde tesouros, sentidos que só podem ser percebidos quando a lemos com calma.

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