Descrição de chapéu The New York Times Cinema

Apesar dos esforços da Disney, 'Star Wars' continua a fracassar na China

Quando os primeiros filmes da franquia foram lançados, o país estava saindo da Revolução Cultural

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alan Yuhas
The New York Times

O ataque foi repentino e vigoroso: 500 stormtroopers galgaram a Grande Muralha. Caças X-Wing sobrevoaram Xangai e Pequim. Sabres de luz reluziram em salas de cinema de todo o país.

E milhões de espectadores reagiram como que dizendo: “Isso aí de novo? Quem se importa?”.

Um após o outro, os filmes da franquia “Star Wars” vêm fracassando na China, desafiando os esforços para levar uma das séries cinematográficas de maior sucesso na história a um mercado no qual os heróis, monstros e robôs de outros filmes costumam faturar muito dinheiro. O mais recente filme da série, “Star Wars: A Ascensão Skywalker”, seguiu a tendência, com faturamento de quase US$ 1 bilhão (cerca de R$ 4 bilhões) nas bilheterias mundiais mas mal atingindo a marca dos US$ 20 milhões (cerca de R$ 83 milhões) na China.

Homem vestido de stormtrooper em Tapei, em Taiwan; na China continental, a franqui 'Star Wars' não costuma atrair grandes públicos - Tyrone Siu/Reuters

Os episódios precedentes não se saíram muito melhor, por motivos que incluem história, geopolítica e uma falta distinta da nostalgia que estimula os espectadores dos Estados Unidos. Milhares de americanos usando fantasias associadas à série fazem fila para cada estreia. “Star Wars: O Despertar da Força” faturou quase US$ 250 milhões (R$ 1 bilhão) nos Estados Unidos, em 2015; dois anos mais tarde, “Star Wars: Os Últimos Jedi”, registrou faturamento quase igual; e “Star Wars: A Ascensão Skywalker” arrecadou US$ 177 milhões (R$ 736,6 milhões) em seus primeiros dias de exibição, no mês passado.

Na China, as bilheterias desses filmes foram de US$ 52 milhões (R$ 216,4 milhões), US$ 28 milhões (R$ 116,5 milhões) e US$ 12 milhões (R$ 50 milhões), respectivamente.

Chen Tao, que administra o maior site chinês de fãs da franquia, Star Wars Fans China, estima que os clubes de fãs chineses tenham no máximo 200 integrantes.

Com as vendas decepcionantes de ingressos para “Os Últimos Jedi”, alguns anos atrás, Xu Meng, universitário em Pequim, declarou ao jornal The South China Morning Post que os realizadores deveriam tentar novas histórias, novos personagens —e um novo nome. “Se as novas continuações de ‘Star Wars’ não tiverem o nome ‘Star Wars’, o resultado será melhor”, ele disse.

Outro estudante, Lang Yifei, definiu a série como “pesada e sombria”, acrescentando que “acho que eles deveriam abrir mão das velhas histórias”.

Os retornos insatisfatórios da série na China acontecem a despeito dos esforços agressivos de marketing por parte da Disney. A empresa usou miniaturas de “stormtroopers” e caças estelares de tamanho natural, e colaborou com parceiros chineses em diversos projetos, entre os quais livros traduzidos e um vídeo musical de uma “boy band” sino-coreana.

A campanha sublinha quanto dinheiro está em jogo no mercado chinês, agora o segundo maior do planeta. O mais recente filme da franquia “Vingadores” faturou mais de US$ 500 milhões no país e séries cinematográficas como “Transformers” e “Velozes e Furiosos” registram bilheterias de centenas de milhões de dólares.

A diferença, dizem historiadores do cinema e especialistas do setor, é que filmes como “Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw” ou “Jurassic World” em geral funcionam bem quando separados das histórias precedentes, e as audiências chinesas cresceram lendo os quadrinhos de super-heróis da Marvel.

Mas quase ninguém na China cresceu acompanhando os filmes “Star Wars” originais. Quando os primeiros deles foram lançados, no final da década de 1970 e no começo da década de 1980, a China estava saindo da Revolução Cultural, uma era em que o entretenimento ocidental era suprimido e pessoas que tinham conexões com o Ocidente foram perseguidas.

“Isso basicamente tirou de circulação os seis primeiros filmes da série”, disse Michael Berry, professor de literatura e cinema chinês na Universidade da Califórnia em Los Angeles. “A série não teve oportunidade de conquistar as pessoas”.

Com “tramas e jargões um tanto abstrusos e complicados”, disse Ying Xiao, professora de estudos e cinema chineses na Universidade da Flórida, “é muito difícil para um público chinês que não foi criado assistindo às continuações compreender, digerir e apreciar a atração”.

E, embora os três primeiros filmes tenham inspirado toneladas de mercadorias —mantendo o interesse vivo depois que eles saíram de cartaz—, na China eles continuaram essencialmente desconhecidos, exceto em forma de livros ilustrados que mostravam imagens associadas a “Star Wars” mas não aos filmes.

Pais não legaram aos seus filhos bonecos, lancheiras ou vídeos celebrando a série. Quando a trilogia que relatava os acontecimentos precedentes aos três primeiros filmes foi lançada, mais ou menos na virada do século, e os cinemas chineses enfim foram abertos para a série, Skywalker continuava a ser uma palavra estrangeira.

“A maioria das pessoas diria que a Disney fez pouco e tarde demais, que ‘Star Wars’ chegou morto ao mercado do país”, disse Stanley Rosen, professor da Universidade do Sul da Califórnia que pesquisa sobre a sociedade e o cinema chineses.

Mas a companhia realizou “esforços quase heroicos” para fazer com que seus filmes mais recentes funcionassem na China, ele disse, um país de mercado intensamente regulado e vigiado por censores. Um porta-voz da Disney não respondeu a um pedido de comentário.

Xiao disse que a guerra comercial em curso atualmente prejudicou tanto Hollywood quanto a indústria cinematográfica chinesa, e que sentimentos nacionalistas tornaram “mais desafiador e mais complicado para os filmes derrubar barreiras e cruzar as barreiras nacionais e culturais, hoje em dia”.

As bilheterias chinesas recentemente vêm sendo dominadas por produções nacionais, apontou Xiao.

Entre elas estão “Ip Man 4”, o título mais recente em uma saga de artes marciais, e “Terra à Deriva”, um exemplo da ficção científica “pesada” que Rosen diz ser mais popular junto aos fãs chineses do que a ficção científica “novelesca” como “Star Wars”.

E ao longo dos dez últimos anos, a indústria cinematográfica chinesa amadureceu em termos de produção, direção, marketing e atuação, disse Marc Ganis, presidente da Jiaflix, uma companhia de entretenimento. Ele apontou para o fato de que “Star Wars” também enfrentou dificuldades em outros países asiáticos nos quais a concorrência nacional é forte, como o Japão e a Coreia do Sul.

Para “Rogue One – Uma História Star Wars”, os realizadores da Disney escalaram dois astros conhecidos das audiências asiáticas —Donnie Yen e Jiang Wen—, mas sem grandes resultados.

Em uma entrevista de 2018, Yen atribuiu as dificuldades do filme na China à sua história prévia longa, que ele comparou à relativa simplicidade —e sucesso— dos filmes baseados em quadrinhos. "A Marvel é muito mais fácil de entender”, ele disse. “Em ‘Star Wars’ existe todo um universo.”

Como se para provar o ponto, “Vingadores: Ultimato” faturou mais em seu final de semana de estreia na China do que todas as estreias da série “Star Wars” combinadas.

E algumas das coisas que propeliram o sucesso da trilogia original —como os efeitos especiais que deslumbraram as audiências das décadas de 1970 e 1980— são mais charmosas do que revolucionárias no século 21, disse Aynne Kokas, professora da Universidade da Virgínia e autora de “Hollywood Made in China”.

“No Ocidente, ‘Star Wars’ é na verdade um fenômeno geracional”, ela disse, “a experiência de compartilhar suas experiências com os seus filhos”. Ela apontou que a narrativa da série girava principalmente em torno de famílias, com muitas referências a eventos pregressos, uma mitologia em evolução e transições geracionais.

“O que vimos é muita atividade derivativa, muitos personagens derivativos, um esforço para recapturar a magia da trilogia original”, ela disse. “Isso não funcionou com as audiências da China.”

Kokas disse que o personagem conhecido como Baby Yoda, na série “The Mandalorian”, era um exemplo do esforço de “Star Wars” para recriar seus grandes sucessos. “Yoda se foi, e estamos tentando trazer a magia de ‘Star Wars’ para a geração seguinte”, ela disse.

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.