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Apps de paquera e robôs invadem livros de amor

Celulares e aplicativos mantém pessoas distantes na vida real, mas oferece possibilidades infinitas de conexão na ficção

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Sarah MacLean
Washington | The Washington Post

Na era dos emojis e do Instagram, Snapchat e mensagens de texto, a carta de amor manuscrita pode ser coisa do passado. Mas em lugar de lamentar sua perda, os romances de amor estão nos fazendo recordar que a intensidade emocional não está sumindo como a caneta e o papel.

A verdade é que muitos romances contemporâneos sublinham a mais fascinante contradição da tecnologia: aquilo que mantém as pessoas tão distantes na vida real oferece possibilidades infinitas de conexão —mesmo em uma paisagem infernal de apps de encontros, abandonos sem explicação e fotos não solicitadas de você sabe o quê.

“Not the Girl You Marry”, livro de Andie J. Christopher, combina a ambiciosa planejadora de eventos Hannah Mayfield, que é cínica em relação ao amor, e o jornalista Jack Nolan; os dois estão tentando impressionar seus chefes.

Hannah precisa provar que que é capaz de manter um relacionamento e Jack está escrevendo um artigo sobre como se livrar de uma namorada. Se você imaginou uma versão de “Como Perder um Homem em Dez Dias” com o sexo dos personagens invertido, está no caminho certo.

O que surge disso é uma história hilariante e horripilante que combina os piores aspectos da vida romântica contemporânea (sim, há fotos do relutante Jack tentando dispensar a firme e determinada Hannah) ao que ela tem de melhor —a química entre Hannah e Jack é especialmente forte quando eles trocam mensagens de texto.

Os melhores autores de livros românticos contemporâneos sabem que a tecnologia é capaz de injetar uma dose forte de química em um relacionamento —mesmo quando os parceiros tentam encontrar o equilíbrio entre vida, relacionamento e salvar o planeta.

“American Love Story”, de Adriana Herrera, é um romance entre a professora Patrice Denis, ativista do movimento Black Lives Matter, e o procurador público Easton Archer, dois personagens cujas vidas e trabalhos tornam um relacionamento quase impossível.

A história é incisiva e moderna, navegando as complexidades do privilégio, propósito e poder e ao mesmo tempo explorando uma intensa paixão. No livro, Herrera usa a tecnologia para intensificar e personalizar um relacionamento privado que não pode ser conhecido em público.

Em “The A.I. Who Loved Me”, um audiolivro original, Alyssa Cole explora as possibilidades do amor no futuro próximo —e do amor por entidades quase humanas.

A heroína Trinity Jordan se vê apaixonada por Li Wei, o sobrinho charmoso mas meio estranho de seu vizinho, até que descobre que ele é um “humanoide biossintético”, um robô mas não exatamente um robô. Li Wei é capaz de sentir amor e emoção, e mais que capaz de sentir prazer, mas, o que é magnífico, ele não tem necessidade dos artifícios emocionais que dão segurança aos seres humanos.

Em dado momento, Trinity aponta que ele está sozinho, que não pode confiar em ninguém. Li responde: “Mentira detectada. Tenho você”. É um momento maravilhoso para os leitores de romance e de esperança para os céticos em relação à tecnologia. Talvez a tecnologia esteja nos tornando mais parecidos conosco?

Mas e quanto a um relacionamento construído sobre uma montanha de mentiras tecnológicas —selfies filtrados e tirados em ângulos favoráveis, posts depurados no Facebook, fotos perfeitamente encenadas no Instagram, que nos forçam a adotar personas impecáveis que são impossíveis de manter mas igualmente impossíveis de abandonar?

Essa é a questão central de de “Love at First Like”, de Hannah Orenstein. Eliza Roth é parte dona de uma joalheria, parte influenciadora no Instagram e parte heroína confusa de comédia romântica. Quando ela publica acidentalmente uma foto de um anel de noivado em sua conta no Instagram, as coisas escapam ao controle e ela se vê forçada a encontrar um falso namorado para manter sua reputação, seus negócios e sua vida em ordem.

Ainda que o livro de Orenstein se mantenha no fio da navalha entre romance de amor e ficção comercial, sua heroína em busca de equilíbrio desperta muita empatia, já que a tecnologia onipresente torna muito mais difícil encontrá-lo.

A despeito de todo o tempo que passamos presos às telas, a verdade é que os seres humanos vivem com a tecnologia, e não nela —pelo menos por enquanto. “Love Lettering”, de Kate Clayborn, é uma representação impecável dessa verdade. A heroína Meg Mackworth é artesã e escreve cartazes manuscritos, e é apaixonada pelas placas pintadas à mão que estão desaparecendo rapidamente das ruas de Nova York.

Depois de um convite de casamento e uma cerimônia desastrosos, ela se apanha apaixonada pelo noivo, que não chegou a se casar (o financista almofadinha Reid Sutherland, que vive num mundo de concreto, aço e vidro).

O que vem a seguir é um romance substancioso e lânguido que combina o passado nostálgico ao presente tecnológico. O relacionamento de Reid e Meg cresce por meio de um jogo no qual eles trocam mensagens contendo não textos, mas imagens de cartazes manuscritos encontrados nas ruas. Os dois dizem o que têm a dizer por meio de imagens.

E esse minúsculo, magnifico e romântico detalhe serve para lembrar aos leitores que somos mais nós mesmos ao nos conectarmos com os outros, não importa qual seja a mídia.

Tradução de Paulo Migliacci

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