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Cinema

Arrasador, filme 'Os Miseráveis' mostra pobreza em Paris e ecoa Victor Hugo

Ladj Ly conduz o espectador de maneira documental à vida extremamente tensa que se vive num subúrbio

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Os Miseráveis

  • Quando Estreia nesta quinta (16)
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Damien Bonnard, Alexis Manenti e Djibril Zonga
  • Produção França, 2019
  • Direção Ladj Ly

Quando o realismo dá certo, o que acontece é o que vemos em “Os Miseráveis”: um filme arrasador. Em vários sentidos, todos difíceis de explanar em palavras, pois é das imagens que vêm a força e a complexidade.

Vamos começar pelas palavras finais, as de Victor Hugo, o autor do primeiro “Os Miseráveis”, estampadas ao final do filme: “Não há ervas daninhas, nem homens maus. Há apenas os que não sabem cultivá-los”.

Poderia também ser uma bela introdução. O que temos no longa é um fragmento na vida em Montfermeil.

Desde as primeiras cenas, Ladj Ly conduz o espectador de maneira documental à vida extremamente tensa que ali se vive.

Um menino rouba galinhas, os muçulmanos se reúnem, outros garotos brincam numa espécie de pista de skate sem skate, os policiais fazem a sua ronda de carro, sem delicadeza, o dito prefeito do local comanda a bagunça da feira e busca tirar suas vantagens, outro grupo de muçulmanos se fecha.

A situação não é pouco explosiva. Basta um grupo de circenses (que os outros chamam de ciganos) aparecer com a queixa do sumiço de um leão bebê. Chegam em bando, com a sensibilidade na ponta dos porretes que carregam, ameaçam todo mundo etc.

A diplomacia é uma arte difícil de praticar por ali. Todos sabem que quem fez a molecagem de sumir com o leãozinho foi um dos garotos do lugar. 

O que há de nervoso na situação se reflete na câmera ágil, que acompanha os três tiras que lidam com o problema.

Para voltar à citação de Hugo, não se trata de distinguir os bons dos maus, mas de observar como comportamentos se estabelecem e se desenvolvem. E aqueles de quem primeiro se espera que sejam vistos como os vilões (os policiais), em dado momento parecem tão vítimas quanto a população.

Como Victor Hugo paira sobre “Os Miseráveis”, a questão que se impõe é: quem cultivará mal os homens e as ervas?

Não basta culpar a polícia pela violência, nem suas vítimas pela contraviolência, nem os meninos por suas molecagens. Algo paira sobre tudo isso, quer se chame neoliberalismo, o presidente, os políticos, o sistema, o que for. Algo que faz do mundo presente uma entidade doentia, onde as perspectivas são mínimas para a maior parte da população. Onde se sobrevive, não se vive.

É mais ou menos isso que se pode ver numa enorme variedade de filmes que passou por Cannes neste ano: “Parasita”, “Bacurau”, “Atlantique”. É a questão mais presente não só no cinema, mas na sociedade em geral, o que determina a derrota da razão e a ascensão da irracionalidade, em vários lugares do mundo: uma espécie de fúria incontrolável.

“Os Miseráveis” mostra esse estado das coisas, não o julga, nem oferece uma resposta. No entanto, mostrar, com tal lucidez, o que acontece, já é o princípio de uma decifração.

Apenas como registro final: os miseráveis da França vivem uma vida de reis perto dos miseráveis do Brasil. Isso, claro, é uma outra história. Mas não é.

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