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The New York Times

Baldessari encheu de humor a arte conceitual ao lutar contra a 'chatice'

Artista californiano, morto aos 88 anos, recorreu à ironia para peitar o que via como um excesso de intelectualismo

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Jori Finkel
The New York Times

John Baldessari, influente artista conceitual que ajudou a fazer de Los Angeles uma das capitais da arte mundial por meio de suas imagens bem-humoradas, morreu na quinta-feira (2) naquela cidade, aos 88 anos.

A morte foi confirmada no domingo (5) pela presidente de sua fundação. Não houve informação sobre a causa.

Baldessari começou como pintor semiabstrato na década de 1950, mas se desencantou tanto com sua pintura que decidiu levar suas obras a uma funerária de San Diego e cremá-las, em 1970. Ele estava pronto para adotar uma gama ampla de mídias —vídeo, fotografia, escultura, arte textual, instalações e, sim, pinturas, mas no geral em formas híbridas.

John Baldessari
John Baldessari - Nicole Shibata/Divulgação

Enquanto boa parte das obras iniciais de arte conceitual tendia ao frio e ao cerebral, o trabalho de Baldessari vinha carregado de um senso de humor sardônico. Ele recorria a uma espécie de ironia dadaísta e às vezes às cores intensas da pop art, a fim de resgatar a arte conceitual do que ele via como seriedade e intelectualismo excessivos.

Ao mesmo tempo, ajudou a criar a cena artística de Los Angeles por meio de suas aulas, no Instituto de Arte da Califórnia, entre 1970 e 1988, e na Universidade da Califórnia em Los Angeles, entre 1996 e 2005.

Uma pequena amostragem de seus alunos representa um verdadeiro quem é quem dos artistas contemporâneos —David Salle, Tony Oursler, Matt Mullican, Jack Goldstein, Jim Shaw, Mike Kelley, James Welling, Meg Cranston, Liz Larner, Mungo Thomson, Kerry Tribe, Elliott Hundley e Analia Saban.

Com a possível exceção de Ed Ruscha, que também trabalhava na interseção entre fotografia, pintura e texto, nenhum outro artista de Los Angeles fez tanto para fomentar a cena de arte contemporânea na cidade quanto Baldessari.

John Anthony Baldessari nasceu em 17 de julho de 1931 em National City, na Califórnia, uma cidade que fica entre San Diego e a fronteira mexicana em Tijuana, filho de imigrantes, Antonio e Hedvig Baldessari. Os dois se conheceram depois de chegar aos Estados Unidos, ele da Áustria, ela da Dinamarca.

O pai de Baldessari era comerciante de ferro velho e a família cultivava frutas e legumes, criava galinhas e coelhos e usava o lixo como adubo. 

Baldessari muitas vezes mencionou sua infância como motivo para sua dificuldade em jogar qualquer coisa fora.

Baldessari se formou em educação para a arte no San Diego State College e fez seu mestrado em arte lá.

Não demorou a encontrar emprego como professor em escolas secundárias, faculdades locais e em um programa de extensão universitária, antes de ser contratado pela Universidade da Califórnia em San Diego.

Seu trabalho artístico na época, que estava só começando a ser exibido em galerias de Los Angeles, se movia em uma direção mais filosófica. Em 1968, já se distanciando da pintura, ele reproduziu uma tela de Frank Stella para a capa da revista Artforum e contratou um pintor de cartazes para escrever, abaixo do quadro, “não olhe para isto”.

Foi um primeiro experimento, inspirado por Magritte, de combinar palavras e imagens. A legenda, uma citação de Goya, também servia de comentário bem-humorado sobre o credo minimalista de Stella —o que você vê é o que você vê.

A cremação de quadros tradicionais por Baldessari, em 1970, foi inconfundivelmente inspirada por Marcel Duchamp, um gesto antiarte pelo qual mais tarde ele pareceria um tanto envergonhado.

As cinzas lotaram dez caixas, nove capazes de abrigar um cadáver adulto e a outra de tamanho infantil.

Ele usou parte das cinzas como massa de biscoito e exibiu as obras assadas no Museu de Arte Moderna de Nova York, como parte da mostra “Information”, um inovador panorama da arte conceitual, em 1970.

Naquele ano, ele se transferiu de San Diego para Santa Mônica, na Califórnia, e começou a lecionar no CalArts, um “pós-estúdio” desvinculado de qualquer gênero tradicional, como a pintura ou o desenho. Lá, Baldessari começou a realizar vídeos —eram quase todos cenas de humor.

Um deles, talvez o trabalho mais conhecido de Baldessari, mostra a letra do artista em um caderno, no qual a frase “não farei mais arte chata” se repete ininterruptamente, como se ele estivesse de castigo.

Na década de 1980, ele começou a trabalhar com fotocolagens, principalmente com imagens fotográficas e de filmes de Hollywood. Uma linha de estudo especialmente frutífera surgiu certo dia em 1985, quando começou a brincar com etiquetas redondas de preço. Ele as colava em fotos, sobre os rostos de figuras públicas de quem não gostava.

Isso logo se transformou em uma de suas técnicas características —pintar pontos brancos ou coloridos sobre rostos em fotografias, como forma de nos levar a olhar além do óbvio.
Ele também buscava conferir mais poder ao espectador.

“A suposição em boa parte do meu trabalho é a de que as pessoas querem encontrar alguma coisa no nada”, ele disse. “Lembra do chuvisco nos televisores do passado, e que as pessoas tentavam identificar algo neles? Sinto falta disso.”

Ele gostava de dizer aos seus alunos: “Não olhem para as coisas, olhem entre as coisas”.

Essa abordagem pode ser vista em sua longa série “Partes do Corpo”, que mostrava imagens simples, muitas vezes silhuetas ou gravuras, de mãos, orelhas, sobrancelhas e outras partes do corpo, isoladas.

Com um aceno a “O Nariz”, conto de Nikolai Gogol de 1836, Baldessari sempre se interessou por narizes independentes. Umas de suas esculturas, mostrando um nariz diante de um céu nebuloso, se chamava “Deus Nariz”. Ela decorava a entrada de seu estúdio.

Mais recentemente, o artista vinha trabalhando com quadros dos velhos mestres como fonte, tomando de empréstimo detalhes de obras do Museu Städel, em Frankfurt, e dos afrescos de Giotto para a capela Arena. Um grupo relacionado de obras, mostrado em Moscou em 2013, combinava imagens de Manet, Courbet, Warhol e Hockney a nomes de artistas e títulos de canções ou filmes. Baldessari deu à exposição o título “1 + 1 = 1”, sublinhando o fato de que suas equações de imagens e textos nunca têm resultados claros. 

Tradução de Paulo Migliacci

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