Casa de Rui Barbosa tenta aplacar crise com nomeação de novos chefes de pesquisa

No início de janeiro, a presidente Letícia Dornelles exonerou pesquisadores justificando 'uma otimização administrativa'

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Rio de Janeiro

Desde outubro, com a chegada de sua nova presidente, a Fundação Casa de Rui Barbosa é mais um órgão federal de cultura mergulhado em uma crise interna. Indicada pelo governo Bolsonaro, Letícia Dornelles estremeceu de vez a instituição há três semanas, quando exonerou cinco funcionários dos cargos de chefe de pesquisa.

Na ocasião, a justificativa foi de que havia chefe demais. Entretanto, agora Dornelles diz que vai indicar novos nomes, provavelmente de fora da fundação. “O governo pediu que o setor não tivesse tanto chefe”, ela disse ao jornal O Globo no início deste mês.

Nesta semana, questionada se os substituiria, afirmou a este repórter: “Vou. Tenho alguns em mente, que admiro muito”.

A Casa de Rui Barbosa é um centro de estudos que existe no Rio de Janeiro há 90 anos. Inicialmente, serviu para abrigar os papéis e a biblioteca do líder republicano Rui Barbosa, o que ainda ainda segue fazendo. Desde os anos 1970, no entanto, passou a receber o arquivo dos maiores escritores brasileiros.

Os papéis de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Clarice Lispector, Vinicius de Moraes, Cecilia Meireles, João Cabral de Melo Neto e mais de cem outros estão disponíveis para consulta gratuita para pesquisadores de todo o país.

A fundação também publica estudos por meio de sua editora e tem um programa de pós-graduação.

Dornelles não revelou quem serão os novos chefes dos centros de pesquisa em filologia, história, direito, tanto ruiano quanto geral.

“Não posso adiantar os nomes porque precisam de aprovação do ministro [do Turismo, a quem a secretaria de Cultura ficou subordinada], de avaliação do governo, como acontece em todo cargo DAS [Direção e Assessoramento Superior] –de confiança— e de avaliação mais detalhada da Casa Civil. O processo demora cerca de um mês. Mas são profissionais experientes, múltiplas graduações e com excelente Lattes”, escreveu, por email.

Os cinco exonerados do cargo de chefia não foram demitidos; eles continuam como pesquisadores comuns, ao lado de outros 12. São eles, respectivamente, a crítica literária Flora Sussekind, a jornalista Joelle Rouchou, o professor Charles Gomes e os sociólogos José Almino de Alencar e Antonio Herculano Lopes.

O fato de serem profissionais com anos de casa e reconhecidos em suas áreas de atuação foi o combustível de uma manifestação de acadêmicos e frequentadores da instituição na semana seguinte às exonerações.

Em outro momento, a presidente cancelou, após uma série de críticas, a palestra de uma astróloga na Casa de Rui Barbosa, apontada como sua amiga. Dornelles diz que não conhecia a profissional pessoalmente.

Há alguns dias, Dornelles anunciou um novo projeto, em parceria com o Itamaraty, com uma semana de exposições e palestras sobre o presidente americano Ronald Reagan e a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, ícones do liberalismo conservador nos anos 1980. Novamente foi criticada, pelo tema ter pouco a ver com Rui Barbosa ou literatura.

Internamente, as reclamações contra Dornelles são que faltaria qualificação acadêmica para o cargo e, pior, uma possível interrupção do processo intelectual da instituição. Não há motivo para temor nesse segundo ponto, afirma ela, que é jornalista, escritora, apresentou de programas na TV nos anos 1990 e chegou a escrever novelas para Globo, SBT e Record.

“O processo intelectual jamais vai ser excluído da fundação. Luto pelo setor. Peço verbas ao governo, peço melhorias de condição de trabalho, peço que os recebam em embaixadas quando em viagem de trabalho. Estou discutindo com o governo para criar um curso de doutorado para se juntar ao de pós-graduação”, diz a presidente.

“Ela finge que a gente não existe. Não tem nenhum contato conosco. Estamos em esquema de trincheira. Do ponto de vista da continuidade institucional, é preciso um planejamento continuado. É como andar de bicicleta, não pode interromper”, diz José Almino de Alencar, um dos recém-exonerados, que tem 25 anos de casa e foi o presidente entre 2003 e 2011.

Dornelles responde: “Não conheço o senhor Almino pessoalmente. Fico triste que só tenha lido declarações deselegantes dele sobre um trabalho de gestão que venho realizando com seriedade junto ao diretor-executivo Ronaldo Amaral. Não lido com a parte acadêmica. Nem com a pesquisa. A rotina do gestor é burocracia sem glamour. Trabalho de domingo a domingo”.

A Casa de Rui Barbosa funciona no bairro de Botafogo, no local onde Rui Barbosa morava. Após sua morte, o governo do Rio de Janeiro comprou a residência (com todo o mobiliário) e, em 1930, inaugurou o museu-biblioteca com o acervo de quase 30 mil volumes do líder político. Os frequentadores podiam visitar o imóvel tal como ele vivia.

Por mais de 30 anos, ela serviu para publicar obras de Barbosa (120 volumes) e promover estudos nas áreas em que ele atuava, como direito e filologia (estudo da linguagem). Até que, nos anos 1960, o poeta Carlos Drummond de Andrade resolveu doar seu arquivo para a fundação.

Foi o início de uma novo DNA para a casa, que passou a receber outras doações das famílias de grandes escritores. São arquivos que chegam repletos de poemas inéditos, textos perdidos, músicas nunca escutadas, comentários sobre suas épocas, diários e curiosidades diversas.

O Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, foi inaugurado oficialmente em 1972. Nos anos 1970, também foi construído o prédio que fica nos fundos do jardim, necessário para a acomodação dos novos arquivos e da nova sede administrativa.

O órgão hoje tem cerca de 120 funcionários, que incluem a editora própria (com 700 lançamentos desde 1942) e R$ 6 milhões de verba anual.

Entre as ideias que tem para a instituição, Letícia Dornelles destaca: “Trabalhar, fazer o orçamento render e pagar as dívidas. Fazer eventos internacionais. Proteger os acervos. Trocar toda a parte elétrica que corre risco de incêndio. Limpar os dutos que cercam a casa e desde 2016 não são desentupidos. Quero digitalizar os acervos. Vamos construir um prédio a partir de março para acolher acervos que hoje estão no subsolo com risco de estragarem e mesmo de afetar a saúde dos trabalhadores que cuidam desse setor. Vou consertar as vigas de sustentação do museu que estão sendo seguras por madeira. É muita burocracia. Não dá tempo de respirar”.

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