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Charlize Theron e Margot Robbie contam como foi viver vítimas de assédio do todo-poderoso da Fox News

Filme 'O Escândalo' rememora os bastidores dos abusos cometidos contra as funcionárias da rede de notícias americana

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Los Angeles

A atriz Charlize Theron adora papéis difíceis. Foi uma matadora em série, em “Monster: Desejo Assassino”, uma escritora insuportável que se recusa a crescer, em “Jovens Adultos”, e uma capitã guerreira a serviço de um ditador, em “Mad Max: Estrada da Fúria”. Mas a oferta de trabalho para interpretar a jornalista e apresentadora Megyn Kelly em “O Escândalo”, que estreia agora no Brasil, foi a primeira que a deixou desconfortável. 

Kelly foi a estrela da Fox News durante o reinado de Roger Ailes, o todo-poderoso da emissora demitido após as denúncias de assédio sexual de outra jornalista da emissora, Gretchen Carlson —vivida no longa por Nicole Kidman.

Mesmo sabendo das atividades predatórias do chefe, ela não apoiou a colega. “Não foi uma decisão fácil, levei meses para pular do penhasco”, diz Theron, indicada ao Oscar de melhor atriz pelo papel. 

Ela foi convencida pelo diretor Jay Roach a encarnar uma mulher conhecida por declarações controversas, como na ocasião em que rebateu um artigo do site Slate sobre a necessidade de um Papai Noel de outras raças. “Jesus foi um homem branco, uma figura histórica. É um fato verificável, como Papai Noel”, disse Kelly, quando era parte da Fox News. 

“Jay me ajudou a explorar as controvérsias e a não me afastar delas. Isso me ajudou a compreendê-la melhor”, diz Theron ao repórter. 

Durante as filmagens, a situação não se acalmou. No fim de 2018, já no canal NBC, Kelly foi ao ar para defender a prática racista do blackface, comentário que resultou na sua demissão. “Depois disso, ficou ainda mais difícil para mim”, lembra Theron, nascida na África do Sul e mãe adotiva de um casal de crianças negras. “Estava tentando entender aquela pessoa tão complicada. Quando achei ter conseguido algo, fiquei desolada com os comentários racialmente insensíveis dela.” 

Além de Theron e Kidman, Margot Robbie completa o trio vivendo uma produtora novata na Fox News que, ao pedir mais espaço na empresa, é levada a exibir suas partes íntimas e “girar” para o deleite de Roger Ailes, papel de John Lithgow, numa das sequências mais humilhantes do filme. Kayla não é baseada em nenhuma figura verídica, mas é um amálgama de várias mulheres assediadas pelo criador do canal, algumas entrevistadas em segredo pela produção. 

“É uma cena bem desconfortável. John foi um parceiro e ficou igualmente perturbado”, conta Robbie, também indicada ao Oscar, como melhor atriz coadjuvante. “Mas gostei de como foi feita. Poderíamos fechar a porta e fazer a plateia imaginar o que aconteceu, mas não quiseram deixar os espectadores escaparem. Foi estranho, mas não poderia ter pessoas melhores ao meu lado.” 

O teste que Ailes impunha a várias mulheres foi revelado depois do processo de Gretchen Carlson, mas várias vítimas assinaram contratos de confidencialidade. Até Megyn Kelly passou a pressionar por mudanças e admitiu que passou pelo “giro” na frente do seu então chefe na Fox News. 

“Se você não percebe o quão degradante isso é, não posso fazer nada. Eu daria tudo para ter falado ‘não’”, disse a jornalista, num vídeo lançado depois da estreia do filme. 

“O Escândalo” serve como outro ângulo da minissérie televisiva “The Loudest Voice”, exibida pelo canal Showtime no ano passado e que rendeu o Globo de Ouro a Russell Crowe pelo papel de Roger Ailes. O programa mostra a vivência dele na política da direita dos Estados Unidos, a criação e ascensão da Fox News ao lado dos conservadores e, claro, os abusos do executivo, em especial contra Gretchen Carlson. 

A via-crúcis de gritos, humilhações e assédio promovida na emissora por Ailes acabou em julho de 2016, quando ele foi obrigado a pedir demissão —e virou consultor da campanha de Donald Trump à Casa Branca. O filme tem seu núcleo emocional nas mulheres afetadas e explora o personagem do abusador sem glamour. 

“Todos dizem que ele era charmoso e acolhedor. Isso foi uma ótima forma de examinar como se comporta um predador de verdade”, diz Theron. “Isso confunde as vítimas, pois cria algo nelas que não deseja denunciar alguém que as ajudou na carreira. Não é tão preto no branco. Roger Ailes é um ótimo espécime para olharmos no microscópio.” 

Além de “O Escândalo” e “The Loudest Voice”, casos de assédio na mídia também são o tema de “The Morning Show”, série do Apple TV+ que mostra um apresentador, papel de Steve Carell, demitido após denúncias de abuso sexual. 

Theron diz entender o tipo de atenção que o audiovisual joga sobre as mulheres, mas recorda que, apesar do caso ter sido o estopim de outros escândalos, não é só em Hollywood ou na televisão que o machismo impera 

“Acho que gostamos de olhar primeiro para as indústrias de maior destaque, mas isso acontece em todas.

Graças a movimentos como MeToo e Time’s Up, sabemos que mulheres colhendo abacates no norte da Califórnia passam pelos mesmos problemas”, diz a atriz. “Há um entendimento de que não são só incidentes isolados.”

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