Com declínio de gravadoras e novas arenas, Brasil vê subir número de shows

País se tornou rota importante para bandas estrangeiras e produtores dizem que festivais chegaram à maturidade

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Público do festival Rock in Rio 2019, realizado no Parque Olímpico, na zona oeste do Rio de Janeiro Adriano Vizoni/Folhapress

São Paulo

Em fevereiro de 2006, dois shows pararam o Brasil. Em um sábado, os Rolling Stones se apresentaram para mais de um milhão de pessoas em Copacabana. Dois dias depois, o U2 tocou duas vezes seguidas no Morumbi, em São Paulo. Os dois shows passaram na Globo, o que dá noção da importância do momento.

Não eram os primeiros shows de grande porte no Brasil mas, a partir dali, momentos como aquele se tornaram muito mais frequentes. Em 2007, o Police lotou o Maracanã, e Madonna fez o mesmo no ano seguinte. Até 2010, Paul McCartney havia feito dois shows no Brasil. Entre 2010 e 2019, foram 25.

“[Nos anos 1990], os shows eram esparsos. Não tínhamos grande estrutura de produção nem o volume de público que hoje os millennials representam”, diz Fernando Alterio, presidente da Time For Fun no Brasil. “É impossível comparar o fluxo de artistas —principalmente internacionais— que hoje passam pelo Brasil.”

Segundo alguns dos principais promotores de shows no país, os motivos são vários. Vão desde a cotação baixa do dólar, que em 2011 chegou a R$ 1,60 —o que significava cachês mais baratos— até a construção de estádios para a Copa do Mundo de 2014, além de arenas já feitas para receber shows, como o Allianz Parque.

Mas o principal fator para o boom nos anos 2010 foi a mudança na indústria fonográfica. “Com a queda das gravadoras, os shows passaram a ter rendimento fortíssimo para os artistas e isso claramente aumentou a frequência no Brasil”, diz William Crunfli, diretor da Move Concerts, empresa que promoveu, entre outras, as apresentações do Iron Maiden.

A digitalização do consumo de música, diz Alterio, alterou a dinâmica de faturamento dos músicos. “A receita, em termos de vendas de discos e direitos autorais, caiu de forma muito importante. Isso fez com que os artistas passassem a depender de cerca de 95% de shows em suas receitas.”

Em 2006, quando U2 e Stones vieram, esse processo ainda não era claro. Com o compartilhamento de arquivos —fortalecendo a pirataria— e os iPods e players de mp3, o acesso à música crescia gradativamente, enquanto o faturamento com vendas de discos caía.

Esse processo de priorizar shows em detrimento de vender discos, em menor escala, já acontecia no Brasil. Artistas de forró e brega até hoje não apenas disponibilizam músicas gratuitamente como pagam —seja em streaming gratuito ou em vendedores de CDs piratas— para que elas tenham destaque.

A música, nesse caso, funciona como convite para o show —o que também explica o fascínio do mercado brasileiro com registros ao vivo, sejam eles álbuns ou DVDs. E o aumento do consumo de música, ainda que rendendo menos dinheiro aos artistas, de fato, se reflete nas bilheterias.

Segundo pesquisa da PwC Brasil, os gastos do brasileiro com música em plataformas digitais devem quase dobrar, de US$ 269 milhões em 2018 para US$ 547 milhões até 2023.

Em paralelo, os gastos com ingressos de shows devem continuar crescendo, chegando a 18% dos gastos do consumidor com música em 2023.

Roberto Medina, criador do Rock in Rio —que este mês completa 35 anos— recorda a primeira edição do festival, em 1985. “Saímos da pré-história, ganhamos a maioridade de uma vez”, diz. “O Brasil não estava no roteiro de ninguém. Diziam que a gente não pagava. O pouco que havia sido feito foi malfeito.”

Depois de 1991 e 2001, o festival só voltou ao formato atual, com edições de dois em dois anos, em 2011. Era um momento propício, com a chegada de outro megaevento, o Lollapalooza, em 2012. De acordo com a PwC, na última década, o Brasil se tornou um gigante no segmento.

“Somos o segundo mercado da América Latina de shows ao vivo, atrás apenas do México”, diz Ricardo Queiroz, sócio e líder do setor de mídia da PwC. “Porém, enquanto na América Latina e no México o esperado é que o segmento cresça, respectivamente, 4,6% e 4,5%, o Brasil deverá crescer 5,2% ao ano até 2023.”

A bilheteria de shows no Brasil foi de US$ 106 milhões em 2018; e deve chegar a US$ 139 milhões em 2023. “Somando os gastos com publicidade, o total do mercado de música ao vivo deve saltar de US$ 134 milhões em 2018 para US$ 172 milhões em cinco anos”, diz.

Esse boom coincide com o surgimento do Queremos, plataforma que faz shows baseados em pedidos de fãs, e tem 2 milhões de usuários. O Queremos trabalha com shows de menor porte, para cerca de 2.000 pessoas.

Seu público, diz Pedro Seiler, criador da plataforma, é mais jovem. “Houve casos de banda que nunca ouvi falar e, do dia para a noite, tinha milhares de pedidos. Eu trouxe, esgotou o Cine Joia e quase fechou o Circo Voador. Normalmente, são artistas pop e adolescentes.”

Um crescimento tão grande deste mercado pode começar a mostrar um esgotamento. Em 2019, pela primeira vez desde que voltou ao Brasil, o Rock in Rio teve alguns dias com ingressos disponíveis. Muse, atração do festival carioca, chegou a mudar o local onde se apresentaria em São Paulo, pela fraca venda. 

 

“Acho que [quando um artista vem muitas vezes] tira um pouco a urgência, o público sabe que ele vai voltar”, diz Roberto Medina. “Mas isso afeta um show, não um festival inteiro.”

A tendência, dizem os promotores, é apostar na melhoria da experiência. Afinal, para ver seu artista favorito pela primeira vez, sem a certeza de que ele vai voltar, qualquer perrengue vale. Para vê-lo pela terceira ou quarta vez, a situação é diferente.

“É a roda-gigante, alimentação do vegetariano ao junk food, transporte, pontualidade, qualidade do som, facilidade de entrar e sair, banheiro limpo e sem fila, lugar para descansar e se hidratar, shows para todos os gostos”, diz Seiler. “Os millennials buscam vivenciar experiências e compartilhá-las com suas comunidades”, acrescenta Alterio.

No Rock in Rio, 60% das pessoas vão ao festival não por um show específico, mas pela experiência. E a tendência é a porcentagem aumentar. “Você vai passar um dia com sua família ou namorada, comer, beber, ter conforto e segurança. É um momento em que a música está presente, mas você é o centro disso. O público até escolhe o dia da banda que gosta, mas ele vai de qualquer jeito. É procurar fazer um momento único, que você vai contar para os filhos.”

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