Descrição de chapéu Obituário Elizabeth Wurtzel (1967 - 2020)

Elizabeth Wurtzel, escritora que abriu debate sobre depressão, morre aos 52 anos

O volume de memórias da autora ajudou a introduzir um estilo de escrita confessional franco e impiedoso sobre a doença

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Neil Genzlinger
The New York Times

Elizabeth Wurtzel, cujo surpreendente “Prozac Nation: Young and Depressed in America” (nação Prozac: jovem e deprimida na América), de 1994, conquistou elogios por criar um diálogo sobre a depressão clínica e ajudou a introduzir um estilo franco e impiedoso de escrita confessional, morreu na terça-feira (7) em Nova York, aos 52 anos.

O escritor David Samuels, seu amigo desde a infância, disse que a causa foi câncer de mama metastático, uma doença que resultou de uma mutação no gene BRCA. Wurtzel passou por uma mastectomia dupla em 2015. Depois de receber o diagnóstico, ela se tornou ativista em defesa do exame de BRCA —que ela não fez— e escreveu sobre sua experiência como paciente de câncer em artigo para o The New York Times.

A escritora Elizabeth Wurtzel em 2007
A escritora Elizabeth Wurtzel em 2007 - Suzanne DeChillo/The New York Times

“Eu poderia ter feito uma mastectomia com reconstrução e pular a parte em que desenvolvo câncer. Me sinto a maior idiota por não ter feito isso”, escreveu ela. 

Escrever sobre a doença que a matou foi uma escolha natural para Wurtzel, que por um quarto de século esquadrinhou sua vida incansavelmente, tornando-se uma heroína para alguns, especialmente para muitas mulheres de sua geração e mais jovens, mas também atraindo muitas críticas. “Prozac Nation”, seu primeiro livro, publicado quando ela tinha 27 anos, relatava de modo cru sua passagem como aluna pela Universidade Harvard, seu uso de drogas, sua extensa vida sexual e mais.

O resultado dividiu os críticos.

“A nação de Wurtzel é uma nação de uma pessoa só”, escreveu Karen Schoemer em uma resenha negativa sobre o livro para a revista Newsweek. “Ela faz apenas tentativas tênues de estabelecer paralelos entre sua vida e a de sua geração e atribui culpa aleatoriamente aos seus pais, aos seus terapeutas, aos seus amigos, à alta taxa de divórcios, às drogas e à sua época pelos problemas em sua vida”.

Livro "Nação Prozac: Jovem e Deprimida na América"
Livro "Nação Prozac: Jovem e Deprimida na América" - Divulgação

Mas Michiko Kakutani, resenhando o livro para o The New York Times, encontrou mais motivos para elogios. Ela reconheceu que os trechos em que a autora exibia autopiedade “fazem com que o leitor tenha vontade de chacoalhar a autora e lembrá-la de que existem destinos muito piores do que crescer na cidade de Nova York na década de 1970 e estudar na Universidade Harvard".

“Mas”, ela acrescentou, “Wurtzel mesma está muito ciente da natureza narcisista de seus problemas, e sua disposição de se expor –apesar do narcisismo– termina por conquistar o leitor”.

O livro se tornou uma referência cultural e parte de uma nova onda de livros confessionais.

“O gênio literário de Lizzie reside não só nas suas muitas frases contundentes e citáveis”, afirmou Samuels em mensagem de email, “mas em sua invenção do que na verdade constitui um novo formato, que mais ou menos substituiu a ficção literária –o livro de memórias escrito por uma pessoa jovem da qual ninguém tinha ouvido falar até ali. Foi um formato que Lizzie moldou em sua imagem, porque ela sempre precisou ser tanto autora quanto personagem”.

Em artigo de 2013 para a revista The New Yorker, no qual traçava paralelos entre “Prozac Nation” e a série “Girls”, da HBO, então em sua segunda temporada, Meghan Daum expressou a admiração e a frustração que o livro despertava em muitas mulheres.

“Nós a reprovávamos por ser tão famosa e ter uma vida tão desordenada”, ela escreveu, “mas não havia como não admirar sua capacidade de transformar suas neuroses em recompensas financeiras e um lugar no panorama literário”.

Wurtzel seguiu seu próprio exemplo em seus livros subsequentes, especialmente “More, Now, Again: A Memoir of Addiction” (mais, agora, de novo: memórias do vício), publicado em 2002. O livro detalhava seu abuso de cocaína e do remédio Ritalin, que ela pulverizava e cheirava. Como afirmou a escritora em um ensaio publicado em 2013 pela revista New York, “fiz das minhas emoções uma carreira”.

A atriz Christina Ricci em cena do filme "Geração Prozac", que conta a história de vida de Elizabeth Wurtzel.
A atriz Christina Ricci em cena do filme "Geração Prozac", que conta a história de vida de Elizabeth Wurtzel. - Divulgação

Elizabeth Lee Wurtzel nasceu em 21 de julho de 1967, em Manhattan. Sua mãe, Lynne Ellen Winters, se casou com Donald Wurtzel. Em um ensaio publicado em 2018 pela revista New York, ela escreveu sobre ter descoberto que na verdade era filha do fotógrafo Bob Adelman, morto em 2015, com quem sua mãe teve um caso. A escritora escreveu muito sobre seu relacionamento complicado com Donald Wurtzel, que se divorciou da mãe dela quando a escritora era jovem. No ensaio, ela reavaliou esses problemas.

“Milhares de palavras desperdiçadas com o problema errado”, escreveu. “Aperfeiçoei um ‘backhand’ perfeito para matar o ‘lob’ que vinha na minha direção; ou seja, resolvi o problema errado.”

Ela cresceu no Upper East Side de Manhattan e começou a escrever “Prozac Nation” em 1986, quando estudava em Harvard.

“O livro originalmente era sobre Harvard; não era sobre depressão”, ela disse ao site de notícias Vice em 1994. “Mas tudo que ele continha girava em torno da depressão e, por isso, mudei de tema.”

Enquanto fazia sua graduação, Wurtzel escreveu para o The Harvard Crimson, o jornal da universidade, e foi aceita como estagiária pelo jornal The Dallas Morning News, mas perdeu o posto por acusações de plágio. Depois de se formar, ela trabalhou para as revistas New York e The New Yorker, escrevendo sobre rock, muitas vezes de maneira que a levava ser ridicularizada. Quando Tina Brown assumiu como editora da The New Yorker em 1992, Wurtzel foi uma das primeiras pessoas que ela demitiu.

Embora o tom de Wurtzel costumasse ser descrito como de obsessão por si mesma, ela oferecia uma explicação diferente.

“O meu jeito de ser é pôr tudo que tenho no que quer que seja que eu estou fazendo ou pensando naquele momento. Por isso é errado que as pessoas me classifiquem como obcecada por mim mesma. Sou só obcecada”, disse a escritora ao jornal The Fort Worth Star Telegram, em 2002.

O livro que ela publicou depois de “Prozac Nation” foi “Bitch: In Praise of Difficult Women” (megera: elogio às mulheres difíceis), lançado em 1998. A capa a mostrava de topless e com o dedo médio erguido.

“Embora o livro esteja repleto de imensas contradições, digressões bizarras e rompantes ilógicos, também é um dos trabalhos mais divertidos, perceptivos e honestos sobre mulheres a aparecer em um bom tempo”, escreveu Karen Lehrman em sua resenha sobre o livro para o The New York Times.

A escritora Elizabeth Wurtzel em 2007
A escritora Elizabeth Wurtzel em 2007 - Suzanne DeChillo/The New York Times

O livro fez menos sucesso do que poderia porque quando foi lançado, Wurtzel estava lutando contra o vício em drogas que viria a detalhar em seu terceiro livro, no qual contou que fazia qualquer coisa que fosse necessária para alimentar seu vício.

“Qualquer pílula serve”, escreveu. “Não ligo mais para o efeito, se me leva para cima ou para baixo. Não quero ficar estável. Roubo pílulas dos armários de banheiro das pessoas. Todo mundo já fez um tratamento de canal ou extraiu um dente do siso.”

Wurtzel se recuperou o suficiente para ser admitida pela escola de direito da Universidade Yale, na metade da década de 2000. Seu passado lhe oferecia percepções incomuns em algumas de suas aulas, especialmente sobre lei criminal.

“Falávamos muito sobre política de drogas naquele curso”, disse ela ao The New York Times, em 2007, um ano antes de se formar. “E o que me impressionava era a falta de conhecimento prático das pessoas”, completou.

Ela trabalhou por algum tempo para o escritório de advocacia Boies, Schiller and Flexner, mas se demitiu em 2012, afirmando que queria dedicar mais tempo à escrita.

“Escolhi o prazer de preferência ao que é prático”, ela escreveu em 2013. ”Talvez eu tenha sido a única pessoa a estudar Direito por diversão”.

Wurtzel deixou a mãe,  Lynne  Winters, e o marido, James Freed Jr., com quem se casou em 2015.

Em 1995, no posfácio de uma nova edição de “Prozac Nation”, Wurtzel buscou extrair uma lição maior de seu livro histórico. “Se ‘Prozac Nation’ teve um propósito específico foi o de afirmar abertamente que a depressão clínica é um problema real, que arruína e põe fim a vidas, aliás quase acabou com a minha. Isso afeta muita gente brilhante, digna, considerada e calorosa, pessoas que se afundam tanto no desespero que são incapazes de deflagrar o potencial de vida que provavelmente guardam dentro delas.”

Tradução de Paulo Migliacci

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