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Harvey Weinstein vai a julgamento e pode ser condenado a prisão perpétua

Resultado do processo criminal contra produtor deve durar dois meses em Nova York

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Megan Twohey, Jodi Kantor, Jan Ransom
Nova York | The New York Times

Desde que o escândalo de Harvey Weinstein chegou aos jornais, mais de dois anos atrás, tudo que diz respeito a ele tem sido extragrande: o escopo das alegações de assédio e agressão sexual, que remontam a décadas; o número de mulheres que o acusam, mais de 80 no total, e a escala global do acerto de contas inspirado pelos relatos das acusadoras.

Agora, quando o julgamento criminal do produtor de Hollywood começa, em Manhattan, nesta segunda-feira (6), o resultado já está sendo aguardado como veredicto sobre os alegados delitos de mais de um homem.

Muitos apoiadores do movimento MeToo querem saber se haverá justiça para as vítimas. Os advogados de Weinstein, que perdeu sua empresa, sua reputação e seu casamento, argumentam que o caso é uma prova de que o MeToo foi longe demais. O julgamento será acompanhado pela mídia de todo o mundo, manifestantes do lado de fora do tribunal e espectadores que lotam a galeria do recinto.

Mas, apesar de todas as expectativas, os jurados vão ouvir um processo legal restrito, com um histórico passado complicado e resultado altamente imprevisível.

Os promotores pretendem chamar várias testemunhas mulheres para demonstrar um padrão de assédio cometido por Weinstein, mas as acusações são baseadas em grande medida em duas mulheres. Weinstein é acusado de ter forçado uma assistente de produção a fazer sexo oral nele e de ter violentado outra mulher, ainda anônima e cujo relato não é do conhecimento público. A maioria das outras alegações feitas contra ele já prescreveram, não se enquadram na jurisdição de Nova York ou envolvem comportamento abusivo, mas não criminal. Outras acusadoras não quiseram participar, convencidas de que o ônus pessoal para elas seria grande demais.

O caminho da promotoria tem sido difícil. Os promotores foram obrigados a desistir de uma acusadora que era fundamental para o processo. O detetive principal foi afastado por alegações de erro de conduta policial. E Weinstein, que alega que seus encontros sexuais foram consensuais, apresentou emails que, segundo ele, demonstram um relacionamento íntimo longo que continuou após o alegado estupro.

A equipe de defesa tem seu próprio histórico de problemas. Weinstein –que pode passar o resto da vida na prisão se for condenado pela acusação mais grave— contratou, dispensou e repudiou uma série de advogados poderosos. Ele foi acusado de mexer com sua tornozeleira eletrônica e testou a paciência do juiz que vai presidir o julgamento, deixando-o claramente irritado. Semanas atrás ele desafiou as orientações de seus advogados, concedendo uma entrevista a um tabloide em que afirmou ter sido pioneiro defensor das mulheres no cinema e reclamando que seu trabalho foi esquecido.

O produtor Harvey Weinstein chega ao Tribunal Penal no primeiro dia do julgamento dos crimes de assédio sexual que é acusado, em Manhattan
O produtor Harvey Weinstein chega ao Tribunal Penal no primeiro dia do julgamento dos crimes de assédio sexual que é acusado, em Manhattan - REUTERS/Eduardo Munoz

Previsto para durar mais de dois meses, o julgamento vai começar com as instruções do juiz na Suprema Corte estadual de Manhattan, seguidas pelo processo de seleção do júri, previsto para durar duas semanas. Enquanto os argumentos iniciais não começarem, será difícil estimar a força de qualquer um dos lados.

“Não consigo pensar em nenhum outro processo em que o réu chega ao julgamento com uma desvantagem tão grande, em matéria de como é visto pelo público”, comentou o advogado de defesa criminal Mark Bederow, ex-promotor em Manhattan. Mas ele destacou que “as evidências apresentadas no tribunal frequentemente não são as que aparecem no âmbito público”.

Intensificando a pressão

No final de 2017, depois de o New York Times ter primeiro divulgado as alegações feitas contra Weinstein, dezenas de atrizes, assistentes administrativas e outras mulheres denunciaram ter sido vitimadas por ele, e autoridades policiais em Nova York, Los Angeles e Londres rapidamente abriram investigações criminais. As três jurisdições estavam sentindo a pressão: se Weinstein agiu como predador sexual durante décadas nessas cidades, por que o sistema de justiça criminal não o impediu de continuar?

A pressão sobre a polícia e os promotores de Nova York foi especialmente intensa porque eles já haviam investigado o produtor antes. Em 2015 uma modelo italiana, Ambra Battilana Gutierrez, disse à polícia que Weinstein apalpou seus seios e tentou colocar a mão debaixo de sua saia durante uma reunião de trabalho no escritório dele em Tribeca. Em um segundo encontro com Weinstein, os policiais pediram que Gutierrez levasse um microfone escondido, e ela gravou o que pareceu ser uma admissão de Weinstein. Mas o promotor público de Manhattan, Cyrus Vance Jr., optou por não acusar o produtor criminalmente, achando que a credibilidade da modelo seria questionada devido a inconsistências em seus relatos sobre uma agressão sexual anterior que ela teria sofrido na Itália.

O produtor Harvey Weinstein chega para audiência criminal a respeito das acusações de assédio que responde
O produtor Harvey Weinstein chega para audiência criminal a respeito das acusações de assédio que responde - David Dee Delgado/Getty Images/AFP

Quando a história sobre Weinstein explodiu na mídia, Vance foi criticado por não tê-lo processado em 2015. Um coro crescente de críticos pediu a prisão de Weinstein dessa vez, sem demora. Ao longo de dez meses, investigadores da polícia entrevistaram mais de 70 testemunhas e viajaram para cidades em todos os EUA e outras, incluindo Montreal, Londres e Paris. 

Mas muitos dos incidentes alegados ocorreram fora de Nova York. Detetives e promotores investigaram pelo menos 14 agressões que teriam ocorrido na cidade, mas a maioria já havia caducado segundo os estatutos do estado relativos a crimes sexuais.

Outras mulheres tinham relatos que pareciam se enquadrar nos critérios, mas não estavam dispostas a se expor em um julgamento criminal. Uma atriz aspirante, por exemplo, contou a investigadores que Weinstein a molestou sexualmente em Nova York, mas optou por mover uma ação contra o produtor ela própria, o que lhe permitiria permanecer anônima.

Sua advogada, Genie Harrison, explicou: “A preocupação dela, como a de muitas outras vítimas, é ‘o que vai acontecer comigo?’”.

A atriz recentemente assinou um acordo provisório de US$ 25 milhões para encerrar ações judiciais movidas por dezenas de outras alegadas vítimas de assédio e agressão sexual de Weinstein. Pelo acordo, Weinstein não será obrigado a reconhecer que cometeu qualquer delito nem pagar nada pessoalmente às mulheres.

Durante meses a polícia considerou que a vítima mais promissora era Lucia Evans, que foi a público na revista New York para acusar Weinstein de agressão sexual. Ela disse que em 2004, quando era jovem atriz aspirante e foi ao escritório dele para uma reunião de trabalho, o produtor a forçou a fazer sexo oral nele.

“Você é a única que pode colocar Weinstein na prisão”, os detetives teriam dito a Evans, conforme ela relatou em entrevista.

Ela acabou concordando em cooperar, mas a investigação enfrentou outros desafios, com policiais e promotores muitas vezes batendo de frente. Outras pessoas intensificaram a pressão para que Weinstein fosse levado a julgamento. Carrie Goldberg, a advogada de Evans, e ativistas do MeToo reclamaram publicamente que o gabinete de Cyrus Vance estava deixando Weinstein sair impune.

Em março de 2018 o governador de Nova York, Andrew Cuomo, instruiu o então secretário estadual de Justiça Eric Schneiderman a rever como os promotores de Manhattan haviam tratado queixas de crimes sexuais, especificamente a queixa prestada contra Weinstein em 2015.

Vance criticou a iniciativa publicamente como uma “ingerência injustificada”, mas em menos de um mês afastou a promotora Maxine Rosenthal, criticada por avançar muito lentamente e ofender alegadas vítimas. Em seu lugar, pôs a veterana promotora Joan Illuzzi, experiente em casos de homicídio.

Em maio de 2018 Weinstein foi acusado de um ato sexual criminal contra Evans e do estupro de uma mulher não identificada em 2013.

Dois meses mais tarde, promotores o acusaram criminalmente de ter forçado a assistente de produção Mimi Haleyi a fazer sexo oral nele em 2006 e de agressão sexual predatória, que significa essencialmente cometer crimes sexuais graves contra mais de uma pessoa. A acusação de agressão sexual predatória é especialmente significativa porque expõe Weinstein a uma potencial sentença de prisão vitalícia. Para substanciar essa acusação, a atriz Annabella Sciorra deve depor no julgamento, dizendo que Weinstein a estuprou em 1993 em Manhattan.

Mas surgiram inconsistências no processo. 

A acusação baseada em Evans caiu por terra em outubro de 2018, quando vieram à tona relatos contraditórios e alegados erros de conduta policial. Illuzzi disse que o investigador principal no caso, Nicholas DiGaudio, deixou de informar os promotores que um amigo da jovem alegou que Evans concordara em fazer sexo oral em Weinstein depois de o produtor lhe ter prometido trabalhos como atriz em contrapartida.

Evans insistiu que nunca consentiu, e DiGaudio negou ter ocultado informações dos promotores, mas foi afastado do caso. Desde então, a sargento Keri Thompson, que supervisionou a investigação, virou objeto de uma investigação interna por alegações de erros de conduta não relacionados ao caso de Weinstein.

Por esses motivos, os promotores não pretendem chamar policiais para depor no julgamento. Mas os advogados de Weinstein provavelmente tentarão convocar Thompson e DiGaudio, em um esforço para pôr o processo em descrédito.

Weinstein divulgou emails calorosos que ele e a alegada vítima de estupro em 2013 teriam trocado durante anos após o suposto ataque. Em um dos emails, eles falaram de Weinstein conhecer a mãe da mulher. Em outro, ela escreveu “amo você, sempre, as detesto me sentir como alguém que você chama só para transar”. Weinstein também apresentou uma mensagem de texto que Haleyi lhe enviou meses depois de ter supostamente sido atacada: “Oi! Só queria saber se você sabe se Harvey terá tempo de me ver antes de embarcar? X Miriam”.

Muitas das acusadoras disseram que mantiveram contato com Weinstein depois de serem vitimadas devido ao poder dele como produtor. Mas a advogada de Weinstein, Donna Rotunno, disse a respeito das mensagens das mulheres envolvidas no processo criminal: “São mulheres que passaram tempo com ele ao longo de períodos longos, e acho que temos evidências para indicar que o tempo que passaram foi positivo e favorável”.

Em entrevista à CBS, Rotunno disse que o movimento MeToo “deixa o tribunal da opinião pública tomar conta da narrativa” e “põe a pessoa numa posição em que é privada de seus direitos”.

Um padrão de predação

A promotoria teve uma vitória importante nos últimos meses: ela pôde convocar três outras mulheres que disseram ter sido abusadas por Weinstein. Essas testemunhas, cujas agressões sofridas ocorreram há tempo demais para ainda poderem ser incluídas no processo, podem ajudar a promotoria a superar algumas de suas limitações: o número pequeno de vítimas, o braço curto do estatuto de limitações. As mulheres, cujos nomes ainda não foram divulgados, podem mostrar aos jurados o padrão seguido pelo produtor em sua atividade predatória alegada e seus detalhes, muitos dos quais se repetem em relatos feitos por uma mulher após outra, ano após ano.

Testemunhas como essas fizeram toda a diferença no julgamento de Bill Cosby. O primeiro julgamento dele, em que as testemunhas não foram autorizadas a participar, terminou anulado em 2017. Mas em um segundo julgamento, em 2018, vítimas adicionais depuseram. Hoje Cosby cumpre pena de prisão na Pensilvânia.

O interrogatório das supostas vítimas pela defesa deve criar alguns dos momentos mais dramáticos do julgamento. Ex-promotores disseram que interrogatórios serão longos, dolorosos para as mulheres e exigirão destreza de Rotunno, cuja atitude decisiva natural pode ter efeito contrário ao desejado.

O maior obstáculo para a defesa talvez seja o próprio Weinstein, embora não esteja previsto que ele deponha. “Com ou sem razão, justamente ou não, quem é mais repudiado que Harvey Weinstein?”, disse Bederow, o advogado de defesa.

Weinstein rompeu com Benjamin Brafman, que tem um histórico de inocentar clientes famosos, e em seguida sua suposta “equipe dos sonhos” de advogados de defesa caiu por terra. Foi Weinstein quem insistiu em obter os emails antigos das duas mulheres que estão no cerne do processo. Mas ele também vem direcionando demais, solapando, questionando e frustrando os advogados que tentaram ajudá-lo.

Em email a um repórter do New York Times, Weinstein disse que estava “estudando todos os aspectos do processo”. Disse que demitiu Brafman por “divergências em relação ao direcionamento do processo”, acrescentando “achei que seria importante ter uma mulher na equipe de defesa”.

Weinstein vem irritando o juiz James Burke, que vai presidir sobre o julgamento e tomar muitas das decisões críticas, como se a defesa poderá ou não citar as questões de erros de conduta policial. Ex-promotor público de Manhattan por 12 anos, Burke é conhecido como juiz intransigente, porém justo, que não tolera incompetência ou manipulação judicial.

Embora o juiz tenha concordado em rejeitar uma das acusações feitas a Weinstein, ele decidiu contra o réu e seus advogados em várias outras questões. Já repreendeu Weinstein por usar seu celular no tribunal e disse ao produtor, que faria uma cirurgia nas costas por lesões sofridas em um acidente de carro, que o julgamento seria realizado com ou sem sua presença, independentemente de seu estado de saúde.

Burke vai apresentar hoje o cronograma do julgamento, que começará com 15 dias para a seleção dos jurados –um processo que não será simples, em vista da notoriedade do réu. Duas mil pessoas foram convocadas, na esperança de conseguir que 500 potenciais jurados se apresentem na terça-feira diante da Suprema Corte estadual, onde o juiz e os advogados das duas partes começarão o processo de seleção de 12 jurados e seis suplentes.

“A escolha dos jurados neste processo vai exigir franqueza excepcional dos potenciais jurados e paciência excepcional do tribunal, para permitir que os advogados explorem a fundo quais são os valores, as crenças e os vieses dos candidatos a jurados”, comentou o advogado Josh Dubin, de Nova York, especialista na análise e seleção de jurados.

“Este é exatamente o tipo de processo em que a seleção do júri tem importância crítica.”

Tradução de Clara Allain
 

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