Descrição de chapéu
Cinema

Jornada de cangaceiro é vertida em delírio na Mostra de Tiradentes

Geraldo Sarno é um dos cineastas maduros a se destacarem em festival dedicado à prospecção de novos talentos

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Estranho paradoxo, esse: numa mostra como a de Tiradentes, dedicada à prospecção de novos talentos, até agora quem se destacou de verdade foram os velhinhos, ou cineastas em maturidade, ou jovens há mais tempo, como quer Geraldo Sarno, o autor do belo e estranho “Sertânia”, exibido na noite de domingo (26).

Admita-se, o filme terá pouca chance num mercado de audiovisual doentio como o brasileiro. Que importa? “Sertânia” é um exercício de retorno ao sertão de um especialista no tema desde seu clássico documentário “Viramundo”, de 1965.

O que primeiro impressiona nessa descrição não raro delirante da trajetória do cangaceiro Gavião é a liberdade que a conduz. Sarno organiza seu filme como um quebra-cabeças cuja modernidade não deixa de fazer lembrar o novo “Twin Peaks” de David Lynch. Começando por um Gavião agonizante, é em torno da evocação de momentos de sua vida —evocação que evita a cronologia— que ele se arma.

Temos quase uma antologia de razões para o pouco comercial que é o filme. Não só a narrativa é não linear e em preto e branco, mas ainda é rebatida por certa opacidade. Sobretudo para o espectador que conhece mal a história do cangaço, onde Gavião é figura relevante, mas nada comparável a Lampião ou Corisco.

Homem com expressão de delírio em fotografia preto-e-branca
Cena do longa 'Sertânia', de Geraldo Sarno - Divulgação

No entanto, como ressalta o diretor, ele é uma figura única, pois deixa o sertão, vive em São Paulo, alista-se no exército e, após a morte da mãe, retorna ao Nordeste e entra para o cangaço.

Eis um ponto central da narrativa: para Sarno, São Paulo e o sertão são duas faces da mesma moeda. Daí as imagens de arquivo, quase caóticas, do trânsito e do trabalho na indústria inseridas no filme (e na memória de Gavião). Memória que se mistura ao delírio, como na bela sequência da visita de Gavião à terra dos mortos, onde vai buscar o pai.

Sarno, 81, mostra-se disposto a ousar em todas as áreas que seja possível, das referências que se acumulam —Glauber, Guevara, Homero e por aí vamos— sem por isso serem intromissões, à fotografia (e mais ainda a uma câmera difícil, sempre móvel, sempre estável). A mais bela citação está na cena que o diretor referencia Giotto, mas que mais parece uma pintura bizantina.

Talvez num ponto o filme falhe, sobretudo no início: vale-se excessivamente dos efeitos da montagem digital —no que lembra o Francis Ford Coppola do “Drácula de Bram Stoker” (1992) e por duas vezes mostra, sem nenhum ganho aparente, a atividade da equipe de filmagem.

Pode ser um gesto de rebeldia diante de um cinema contemporâneo um tanto conformista, mas não acrescenta nada ao filme, bem mais que interessante em seu conjunto.

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