Justiça determina censura de especial de Natal do Porta dos Fundos para 'acalmar ânimos'

Para relator, suspensão é benéfica 'não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã'

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Rio de Janeiro

A Justiça do Rio de Janeiro determinou nesta quarta-feira (8) a retirada do ar do episódio de Natal do Porta dos Fundos veiculado pela Netflix. Em liminar, o desembargador Benedicto Abicair afirma que decidiu recorrer à cautela para "acalmar ânimos". A ordem passa a valer quando as partes forem intimadas.

O TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) disse à reportagem que não é possível estipular um prazo para a intimação, mas que, por ser uma medida de urgência, pode ser que ela ocorra nesta quinta-feira (9). ​

Segundo a assessoria de imprensa da produtora, o Porta dos Fundos ainda não foi notificado da determinação judicial.

O especial retrata um Jesus gay (Gregorio Duvivier, colunista da Folha), que se relaciona com o jovem Orlando (Fábio Porchat), e um Deus mentiroso (Antonio Tabet) que vive um triângulo amoroso com Maria e José. Há ao menos sete ações na Justiça contra a Netflix, ajuizadas por lideranças de igrejas ofendidas com a paródia. 

A reação ao episódio também ocorreu fora da seara jurídica. Na madrugada do dia 24 de dezembro, dois coquetéis molotov foram atirados contra a fachada do edifício onde funciona o Porta dos Fundos, na zona sul do Rio de Janeiro. Um dos suspeitos do crime se encontra na Rússia.

O pedido de suspensão do episódio, movido pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, havia sido negado em primeira instância e pelo desembargador de plantão. O recurso foi distribuído ao relator, Abicair, que teve entendimento diferente.

"As consequências da divulgação e exibição da 'produção artística' (...) são mais passíveis de provocar danos mais graves e irreparáveis do que sua suspenção (sic), até porque o Natal de 2019 já foi comemorado por todos", escreveu o desembargador.

Para ele, a suspensão é mais adequada e benéfica, "não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã". 

A determinação de Abicair é provisória. O mérito ainda precisará ser julgado em sessão do colegiado, que decidirá se o episódio será suspenso ou não. Enquanto não houver nova decisão, a Netflix e o Porta dos Fundos poderão entrar com recursos para tentar derrubar a liminar. 

Professor de direito na PUC-RJ, Manuel Peixinho diz que a decisão tem que ser acatada imediatamente pela Netflix, que tem duas opções: recorrer ao colegiado da corte (já que a determinação partiu de um único magistrado) ou ao seu presidente. 

Caso nenhuma dessas apelações prospere, há a alternativa de buscar o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, depois, o STF (Supremo Tribunal Federal).

Na decisão, o desembargador Abicair também afirma que o Porta dos Fundos defendeu sua produção com agressividade e deboche.

Ele cita brevemente o ataque contra a produtora, e completa: "Veja-se que reações dessa natureza sempre podem motivar consequências irreversíveis e desdobramentos inimagináveis, o que, aparentemente, não ocorreu".

O desembargador se refere à associação que moveu o pedido como uma instituição que busca defender direitos da comunidade cristã, "a mais expressiva no Brasil". 

Já sobre o Porta dos Fundos e a Netflix, escreveu: "Do outro lado têm-se empresas, com fins lucrativos, uma que se apossou de uma obra de domínio público, milenar, que congrega milhões de fiéis seguidores".

Abicair já criticou a "permissividade" vista em cortes e repartições públicas, com o vaivém de homens e mulheres com roupas que julga inapropriadas.

"Houve época", escreveu em artigo para o site jurídico Conjur em 2011, "que não era permitido nos fóruns e tribunais que as mulheres trajassem calça comprida, até que foi liberado seu uso, sendo um passo para os leggings, moletons, shortinhos, topes e até cangas".

Mostrou-se saudoso dos tempos em que passageiros de avião adotavam o traje de passeio completo. "Atualmente vemos homens e mulheres seminus, encostando seus corpos suados nos ocupantes dos minúsculos assentos geminados. Bons tempos quando era politicamente correto ser bem vestido."

O Centro Dom Bosco, autor da ação que acabou acatada pelo Ministério Público, é conhecido como polo do conservadorismo católico no Brasil. 

A entidade reúne leigos (pessoas que não integram o clero) e tem como um de seus propósitos formar "soldados de Cristo por meio da via espiritual e intelectual para atuar na cultura, defendendo a fé verdadeira".

O mesmo centro já havia ido à Justiça contra a produtora. Pedia R$ 1 para casa visualização de “Ele Está no Meio de Nós” caso esse vídeo não fosse removido da internet.

Nele, frisava o Dom Bosco, Jesus “estaria presente no ânus do homem que estava praticando o ato sexual”. A ação acabou extinta na Justiça no ano seguinte, 2018.

Fábio Porchat, que interpreta o interesse romântico do Jesus de Gregório Duvivier na produção mais recente, disse que por ora o grupo não vai se pronunciar.

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