Paraisópolis responde a tragédias com música no aniversário de São Paulo

População se mobiliza e artistas locais ganham espaço com palcos descentralizados

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Meno Del Picchia Nina Rahe
São Paulo

“Vamo dá um talento?”, pergunta MC Lanzinho ao 12º cliente do dia, que entra na sua barbearia para realizar o corte mais popular de Heliópolis —o degradê— que deixa apenas as laterais do cabelo raspadas.

Em um sábado normal, o barbeiro e MC realiza até 30 cortes. No dia 25 de janeiro, no entanto, ele precisou fazer uma pausa fora do habitual para cantar seus funks dentro da programação do evento dos 466 anos de São Paulo.

“Estou ansioso para subir ao palco. Acho que é uma grande oportunidade para mostrar que na periferia a gente tem talento”, ele diz.

Lanzinho se refere ao fato de que, pela primeira vez, os bairros de Heliópolis e Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, entraram no mapa das comemorações oficiais da cidade.

A iniciativa contou com uma série de shows e foi uma resposta do poder público às nove mortes que ocorreram em dezembro de 2019 durante a ação do 16º Batalhão da Polícia Militar no Baile da DZ7, que acontece em Paraisópolis há quase dez anos e chega a reunir até 5.000 pessoas por edição.

De acordo com Alê Youssef, secretário municipal de cultura de São Paulo, a programação foi definida a partir das propostas apresentadas pelas comunidades.

“Nós queremos levar a infraestrutura necessária e também dar visibilidade para os artistas locais, que são os verdadeiros protagonistas da renovação cultural da cidade. Os artistas da periferia são os novos modernistas e precisamos valorizá-los cada vez mais”, disse o secretário.

Em Heliópolis, o diálogo com o município se deu, principalmente, através de José Marcelo da Silva, presidente da Associação Ação Comunitária Nova Heliópolis, que fez questão de chamar MCs de funk da comunidade —como Lanzinho e Di do Helipa— para compor a grade de programação. A única atração de fora foi MC Kekel, de Guaianases.

Enquanto em Heliópolis, o MC Di do Helipa se preparava para abrir o show de Kekel, quem sucedia o artista Johnny Sertanejo na arena Palmeirinha, em Paraisópolis, era o grupo de rap Almas Errantes.

Liderada pela União de Moradores, a seleção em Paraisópolis optou por um palco principal eclético, com artistas de lugares e gêneros diversos, e um palco menor com programação voltada somente para o funk.

Nele, além dos DJs locais, o único MC que se apresentou foi o Lele JP, do Jardim Peri. A divisão não agradou alguns MCs da região. A inclusão dos MCs Forlan e Sacana só aconteceu, segundo eles próprios, após uma reivindicação por mais representatividade do gênero na programação principal.

“O palco deveria ter mais funk e mais ênfase nos MCs da comunidade, e não com outros gêneros e MCs de fora, ainda mais porque esse evento não teria acontecido se não fosse o que aconteceu no baile funk da DZ7”, diz Forlan.

“Infelizmente o funk não teve tanta atenção na programação oficial”, completa MC Recoba, que não chegou a ser incluído no evento.

De acordo com Gilson Rodrigues, presidente da União dos Moradores, a ideia não era criar um evento específico para o funk, mas sim buscar uma programação mais diversificada. “A gente pensou em um evento com shows que atendessem toda a comunidade, e os moradores de Paraisópolis também curtem outros ritmos aos quais não têm acesso.”

O momento mais esperado da arena Palmeirinha, no entanto, foi a chegada do MC Nego do Borel, que cantou sucessos como “Me Solta”, “Você Partiu Meu Coração” e a nova “Vida de Bacana”. O astro do funk convidou uma criança para dançar ao seu lado e, aos poucos, o palco foi tomado por elas.

Um dos garotos pegou de empréstimo o microfone do MC para mandar seu recado: “Paraisópolis é nossa, tamo junto!”.

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