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Regina Duarte lutou contra a censura de arte na ditadura, regime elogiado por Bolsonaro

Quando a equipe de 'Roque Santeiro' encarou os ditadores, não houve mais como ignorar a censura

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São Paulo

Regina Duarte, de 72 anos, que planeja se encontrar com Bolsonaro para conversar sobre o convite para assumir o comando da Cultura no governo, há 45 anos bateu à porta do Palácio do Planalto a fim de protestar contra a ditadura, que o atual presidente elogia.

Conhecida como a namoradinha do Brasil, por seus papéis de mocinha nas telenovelas, a atriz, então com 28 anos, foi um dos nomes mais populares em uma comitiva de 23 profissionais da Globo, entre atores, diretores e autores, que viajou do Rio de Janeiro a Brasília no dia 28 de agosto de 1975 com o plano de entregar uma carta ao então presidente Ernesto Geisel reclamando da censura imposta à produção cultural durante o regime militar.

Na véspera, uma proibição inédita chocara o país: “Roque Santeiro”, que seria a nova novela das oito, a primeira em cores nesse horário, havia sido proibida de estrear. Nunca uma novela inteira fora vetada assim, às vésperas da estreia.

Numa cidade cenográfica construída num terreno alugado pela emissora, o elenco passara por uma preparação com laboratórios para os quais foram contratados até psicólogos, novidade na teledramaturgia. A equipe trabalhava na produção havia quatro meses, o investimento foi acima da média da emissora, e 36 capítulos estavam prontos para ir ao ar.

O dono da TV Globo, Roberto Marinho, conhecido pelo apoio ao golpe de 1964 e por manter uma relação próxima aos militares, se irritou e pessoalmente tratou de redigir um editorial contra a censura, que foi lido ao final do Jornal Nacional pelo âncora, Cid Moreira.

Foi o primeiro desentendimento público entre a ditadura e a Globo, que sob aquele regime havia se tornado a maior emissora de televisão do país.

Regina Duarte não fazia parte do elenco dessa primeira versão. Os protagonistas eram Lima Duarte, como Sinhozinho Malta, Betty Faria, no papel da Viúva Porcina, e Francisco Cuoco, o Roque.

Dias Gomes, célebre dramaturgo comunista, era o autor da novela, versão de uma de suas peças de teatro, “O Berço do Herói”, proibida no dia da estreia dez anos antes, em 1965, quando a censura do novo regime se estruturava. A obra tratava de um tema incômodo para o poder, o do mito aos falsos heróis. 

A presença de Regina Duarte dava ainda mais peso à comitiva, que, além dos protagonistas da novela, contava com nomes como o do diretor Daniel Filho, do autor Lauro César Muniz e dos atores Paulo Gracindo, Glória Menezes e Tarcísio Meira.

Quando a namoradinha do Brasil e toda essa turma resolveram encarar pessoalmente os ditadores, não houve mais como ignorar a censura. De um tema restrito à elite intelectual e aos políticos, virou conversa de botequim. Foi um tiro no pé da ditadura.

“Roque Santeiro”, contudo, apesar de todo esse barulho, permaneceu censurada até o fim do regime.

Quando os militares saíram do poder, em 1985, a Globo decidiu regravá-la. A novela símbolo da censura marcaria a volta da liberdade de expressão. Foi a maior audiência da televisão brasileira, unanimidade entre os telespectadores.

Só não agradou aos censores, que, apesar do fim da ditadura, seguiram operando. E a novela acumulou 597 páginas no Departamento de Censura. 

Mas isso não veio à tona e o que ficou na memória foram os laços coloridos e as roupas extravagantes de Porcina, a ex-prostituta que se fingia de viúva do herói para mandar na cidade que o idolatrava.

Numa interpretação marcante, Regina Duarte deixava a namoradinha do Brasil para trás para mostrar que mitos superam a verdade.

Regina Duarte em jantar em São Paulo
Regina Duarte em jantar em São Paulo - Marcus Leoni - 28.fev.2018/Folhapress
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