Descrição de chapéu The New York Times

Cantora portuguesa Pongo quer modernizar o kuduro

Artista que desponta na Europa canta em português e em quimbundo, um dos idiomas falados em Angola

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Kate Hutchinson
The New York Times

Em um show pequeno que fez recentemente para lançar um novo EP, eram parte da coreografia os chutes de caratê da estrela pop Pongo, uma portuguesa de origem angolana.

Ela chuta constantemente, elevando bem as pernas, às vezes dezenas de vezes em uma só canção, e acompanha os movimentos com giros de corpo que fazem brilhar as lantejoulas de seus figurinos.

As canções de Pongo são uma leitura contundente e autoconfiante do estilo musical conhecido como kuduro, que combina ritmos africanos frenéticos e barulhentas batidas de techno e rap. 

As letras giram quase sempre em torno de superar as dificuldades que ela enfrentou como uma jovem de origem africana tentando conquistar o sucesso no cenário musical português.

Pongo surgiu nessa cena em 2008, com 15 anos, com um rap que era parte da faixa “Kalemba (Wegue Wegue)”, gravada com o coletivo de dance music Buraka Som Sistema, da qual é membro o músico e escritor Kalaf Epalanga.

A canção foi vista mais de 11 milhões de vezes no YouTube, mas, em seguida, Pongo deixou o grupo e passou vários anos sofrendo reveses. Ela não estava certa de que encontraria uma nova oportunidade.

Em entrevista antes do show, Pongo falou sobre uma famosa igreja portuguesa cuja construção levou séculos, batizada em homenagem à mesma santa da qual veio seu nome, Engrácia (seu sobrenome é Silva).

“Há um ditado”, ela disse rindo, “e quando alguma coisa está demorando demais as pessoas comparam com a igreja de santa Engrácia. Foi o que aconteceu com minha carreira.”

Sua paciência agora está sendo recompensada. Pongo recentemente conquistou o Music Moves Europe Talent Award, novo prêmio de música pop da União Europeia.

O sucesso dela vem crescendo no continente, especialmente na França, onde fará uma turnê, e no Reino Unido, onde cantará em festivais.

Os dois mais recentes lançamentos de Pongo, entre eles o EP “Uwa”, têm o objetivo de fazer pelo kuduro o que a estrela pop espanhola Rosalía fez pelo flamenco.

Rosalía levou canções em espanhol a um público muito maior; e Pongo, da mesma forma, rejeita o inglês.

Seus raps são cantados principalmente em português e em quimbundo, um dos idiomas falados em Angola.

O kuduro é um vigoroso choque de gêneros —que inclui hip-hop, house, zouk e soca—, e Pongo adiciona mais camadas, combinando esses estilos à música eletrônica atual, com um tempero pop.

Mário Lopes, crítico musical do jornal português Público, afirmou em uma troca de emails que Pongo estava “tratando o kuduro como um ritmo onívoro”, o que pode explicar por que sua música parece funcionar bem no exterior.

Ela expande a “paleta sônica” do gênero, acrescentou, “ao incorporar outras linguagens musicais”, como “sons eletrônicos e alguns floreios latinos”.

Pongo tinha oito anos quando sua família deixou Angola, na década de 1990, durante um período de distúrbios no país. Em Portugal, sua mãe trabalhava como faxineira, seu pai era operário de construção, e a família de cinco pessoas viveu em um só quarto, em um albergue, por um ano. Pongo dividia uma cama com as duas irmãs.

Quando a família se mudou para uma área majoritariamente branca de Lisboa, encontrou dificuldade para se integrar, diz Pongo, acrescentando que foi discriminada na escola. “Era difícil ter amigos, porque as crianças me viam como algo estranho.”

Em casa, seu pai, muito severo, não permitia que ela e as irmãs tivessem vida social. As coisas ficaram mais difíceis quando, aos 12 anos, ela se atirou de uma janela do sétimo andar. “Foi uma mistura de tudo aquilo, a dificuldade de integração, a falta de amigos com quem conversar e a ditadura imposta por meu pai”, diz.

Ela escapou só com uma fratura na perna, mas a experiência a pôs no caminho da música.

Para chegar ao consultório de seu fisioterapeuta, do outro lado da cidade, ela desembarcava do trem na estação Queluz, em um bairro de grande diversidade onde viviam muitos imigrantes africanos. Foi ali que viu o grupo de dança de kuduro Denon Squad.

Quando se curou da fratura, ela começou a dançar e, em seguida, a cantar rap com o grupo: “Foi por meio da música que percebi que desejava viver”. Sua participação no Denon Squad a levou a ser descoberta pelo Buraka Som Sistema, grupo com o qual se apresentou por dois anos.

Mas as coisas se complicaram e houve uma disputa quanto aos direitos autorais de “Wegue Wegue”.

“Depois do sucesso da canção, eles foram muito duros comigo”, diz, acrescentando que “era jovem demais para realmente entender o que aconteceu”.

João Barbosa, membro do Buraka Som Sistema, disse que Pongo era apenas uma vocalista convidada, e que decidiram seguir adiante com outra cantora.

Pongo deixou o grupo e buscou empregos braçais para sustentar suas irmãs, quando seu pai deixou a família. Então, um dia, ela teve uma epifania. “Eu estava limpando uma casa e ouvi ‘Wegue Wegue’ no rádio. Foi nesse momento que decidi que era hora de lutar.”

A reinvenção de Pongo como artista solo surgiu em um momento no qual diversos outros músicos portugueses com raízes na África decidiram privilegiar suas origens. A cena musical da cidade oferece uma mistura única de nacionalidades.

Dino D’Santiago, que se inspira no funaná, um ritmo tradicional de Cabo Verde, explica que, até recentemente, muitos artistas portugueses tentavam reproduzir o som da música francesa ou americana. Agora, eles estão tentando trazer os “sons ancestrais” da África.

Andrea Miranda era parte do público no show de lançamento do disco de Pongo. Ela estava feliz por artistas afro-portugueses estarem ganhando mais visibilidade. “Sou uma mulher africana, e é importante me ver representada no palco”, afirma.

Pongo diz que pessoas de todas as origens assistem a seus shows. “Mesmo que eu tenha cantado por pouco tempo com o Buraka, compreendi que o objetivo não é só atrair grandes audiências, mas unir pessoas e comunidades, a fim de romper tabus como o preconceito racial.”

“Para mim, isso é o mais importante. Quando você sente a música, não vê a cor.”

Tradução de Paulo Migliacci

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