Cidade Matarazzo anuncia centro cultural após obra embargada pela Justiça

Depois de controverso projeto de túnel, complexo quer construir espaço financiado por banco

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São Paulo

Além de um hotel, um shopping center e imóveis comerciais e residenciais, o complexo de luxo Cidade Matarazzo, a uma quadra da avenida Paulista, abrigará ainda um centro cultural, segundo anúncio realizado nesta quarta (12).

Batizado de Casa Bradesco da Criatividade, ele ocupará uma casa de três andares no quarteirão onde funcionava o antigo Hospital Matarazzo. A área de 27 mil metros quadrados está sendo renovada pelo empresário francês Alexandre Allard ao custo de R$ 2 bilhões.

Com projeto do arquiteto francês Rudy Ricciotti, responsável pelo departamento de arte islâmica no Museu do Louvre, em Paris, o centro cultural ainda ganhará um subsolo de 26 metros de profundidade, onde ficará um auditório multiuso.

Ao longo do dia, o salão de quase 3.000 metros quadrados poderá ser convertido em teatro, casa de shows, espaço para aulas de gastronomia e até uma versão do parisiense Atelier des Lumières, ambiente imersivo em que imagens de obras de arte são projetadas em alta definição.

A ideia é que ele fique aberto por 22 horas diárias —daí seu nome, Sala 22.

Já os andares superiores do prédio passam por reformas para retomar as paredes cremes, hoje pintadas de um amarelo vivo, e deixar à mostra suas imperfeições e rachaduras.

fachada de casa amarela
Fachada do prédio da Cidade Matarazzo onde funcionará a Casa Bradesco da Criatividade, na Bela Vista, zona oeste de São Paulo - Divulgação

Ali, estarão lojas de luxo com intervenções de artistas, uma sala com programação educativa para crianças, e uma espécie de cômodo para eventos, além de um restaurante que usa restos de comida de outras cozinhas da cidade, o Waste.

A Casa Bradesco de Criatividade ainda abrigará o espaço de arte contemporânea Bradesco Aqui, coordenado pelo curador Marcello Dantas, por trás de projetos como os do Museu da Língua Portuguesa e da Japan House.

Medindo quase 2.000 metros quadrados, é uma das maiores áreas expositivas da capital paulista. Segundo Dantas, ela é comparável apenas ao subsolo da Oca, no parque Ibirapuera.

Por lá, passarão três mostras por ano, com obras desenvolvidas especialmente para o lugar.

A primeira delas é do anglo-indiano Anish Kapoor, um dos pesos-pesados do mercado contemporâneo, conhecido por esculturas que remetem a espelhos deformados —Dantas organizou a primeira individual dele no país, no CCBB, há quase 15 anos. É o prenúncio de uma programação que, antecipa o curador, será centrada no tempo presente e no fomento a obras originais.

A estimativa é que, uma vez estabelecido, o centro cultural receba um milhão de visitantes por ano. A título de comparação, o Masp, que bateu recordes de visitação graças à mostra “Tarsila Popular”, teve 729 mil visitantes no ano passado.

Tanto a programação do Aqui quanto as reformas do prédio são financiadas de maneira privada pelo Bradesco. Os orçamentos não foram divulgados pela empresa. Mas a proposta, diz Allard, é que a casa seja capaz de se sustentar de forma autônoma, cobrando pela entrada e pelo aluguel dos espaços, duas de cerca de 50 fontes de receita.

Ainda haverá entrada gratuita para aqueles que comprovarem renda insuficiente, embora a diretora-executiva do banco, Glaucimar Peticov, afirme não saber como farão o cadastramento desse público.

Para o curador Marcello Dantas, é esse modelo de financiamento privado, que não depende de leis de incentivo, que torna a proposta do centro cultural “absurdamente novo”.

“Fechamos um patrocínio sem intempéries, em que não precisamos ficar no varejo, indo atrás dos recursos para ver se [uma exposição] rola ou não rola. É essa inconstância que não permite que se faça algo muito original no Brasil”, afirma. “Imagina se isso dependesse do governo? Nunca aconteceria.”

Esse formato, aliás, é uma das maiores defesas de Allard. “Sou um grande oponente da caridade. É um legado da nossa cultura católica de comprar metros quadrados no paraíso”, diz ele, que vive há 14 anos no Brasil.

“Se o projeto não tem sustentabilidade, não merece existir. Os governos criaram essa ilusão de que precisamos de caridade para fazer coisas que tenham um objetivo social positivo. Mas isso mudou com o século 21.”

O empresário francês comprou o complexo que agora reforma em 2010, por R$ 117 milhões, depois de oito anos de negociações.

A inauguração do conjunto —cujo hotel é projetado por um arquiteto ganhador do Pritzker, o francês Jean Nouvel— estava prevista para o ano passado. Mas enfrentou uma série de problemas mesmo depois do início das obras, há cinco anos.

O mais recente deles foi a proposta de criar um boulevard ligando a entrada do complexo à avenida Paulista. A obra, que exigiria a construção de um túnel de 100 metros na rua São Carlos do Pinhal, foi aprovada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB). Em dezembro passado, porém, a Justiça paulista barrou a implantação do túnel a pedido de duas associações de moradores locais.

Antes disso, em 2014, uma exposição reunindo cem artistas também foi alvo de críticas. Nomes como Cildo Meireles e Maurício Ianês acusaram o evento, que teve cerca de 20% de seu orçamento vindo de leis de incentivo, de um truque publicitário para legitimar um shopping.

Dantas diz que os comentários foram feitos por pessoas que desconheciam a iniciativa.

“Isso não é um shopping, é um projeto de requalificação urbana. Não desocupamos um hospital, pegamos um pedaço da cidade que estava abandonado”, diz, comparando o novo empreendimento à opulenta galeria Vittorio Emanuele, em Milão, e ao Rockefeller Center, em Nova York.

“Eu não fiz um shopping para fazer um shopping”, defende Allard. “Fiz um shopping para financiar minhas ideias sobre a cultura brasileira. Mas preciso criar alguma fonte de dinheiro para pagar esse sonho.”

Erramos: o texto foi alterado

O Masp recebeu 729 mil visitantes em 2019, não 560 mil. O texto já foi corrigido.

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