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Doenças e crise marcam 'Sistema Nervoso', novo livro da chilena Lina Meruane

A escritora, que vive nos Estados Unidos, diz que a situação de protestos quase diários em seu país natal não a surpreende

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Buenos Aires

​Em “Sistema Nervoso”, novo romance da chilena Lina Meruane, 49, ninguém está totalmente saudável nem totalmente doente. “O que já é uma mudança em relação a outros livros meus, que de alguma forma jogavam com algum tipo de maniqueísmo, sãos e enfermos, bons e maus, imigrantes e locais”, diz a escritora, em entrevista por telefone.

A autora é uma das escritoras latino-americanas com mais projeção hoje. Descendente de uma família de palestinos que buscou abrigo na América do Sul devido aos conflitos no Oriente Médio, já teve lançados no Brasil “Contra os Filhos” (Todavia), “Sangue no Olho” (Cosac & Naify) e “Tornar-se Palestina” (Relicário).

A escritora chilena Lina Meruane - Daniel Mordzinski/Divulgação

Com uma narrativa fragmentada, “Sistema Nervoso” conta a história da protagonista que deve interromper a redação de sua tese sobre astronomia quando seu braço direito subitamente adoece. 

Aos poucos, vamos nos familiarizando com as demais doenças que povoam a obra: a de seu casamento com um antropólogo forense que enfrenta dificuldades, a relação com a mãe e o pai, distantes, porém essenciais na trama, e os problemas do lugar em que ela vive (o país do presente) e os daquele do qual ela veio (o país do passado). 

Ninguém é chamado pelo próprio nome. “A ideia era mostrar que o sofrimento não é pessoal nem geograficamente localizado, expor a vulnerabilidade em que todos nós vivemos nos dias de hoje.”

O pano de fundo, porém, é bastante real. O país em que tanto a autora quanto a protagonista hoje vivem é os Estados Unidos, e o país que ambas deixaram é o Chile, um local que, atualmente, está mais do que doente, em imensa convulsão social e política desde outubro do ano passado.

“O Chile de antes também está, porque a profissão do marido da protagonista é buscar vestígios de um passado de desaparecidos. Os forenses no Chile são muito relacionados a isso.”

Quanto ao Chile atual, Meruane diz que a situação de protestos quase diários e repressão não a surpreende. Para a autora, era algo que “já vinha sendo gestado, e se demonstrava em manifestações pontuais, das feministas, dos direitos humanos, dos estudantes. Até que tudo isso veio à tona”.

A autora, que passou os últimos meses em seu país natal, crê que a redação de uma nova Constituição, que está nos planos de uma possível Assembleia Constituinte, a ser decidida em plebiscito no próximo dia 26 de abril, “é o começo da solução dos problemas, mas apenas o começo”. 

Para Meruane, a mudança de Constituição, por si só, terá forte poder simbólico. “A anterior era a da ditadura, redigida durante a ditadura, portanto, enquanto não for substituída, ainda estaremos vivendo naquela época.”

Porém, as coisas não são assim tão fáceis, para mudar o texto é preciso escolher representantes, debater as mudanças e aprovar tudo pelas urnas. Com menos de 9% de popularidade, o atual presidente do país, Sebastián Piñera, tem pouca credibilidade para dirigir esse processo. 

“Esta Assembleia só será legítima se for o reflexo do país, com lugares reservados para os indígenas, para as mulheres, para as minorias. E ainda assim, se colocar em discussão não apenas questões pontuais como a Previdência ou as tarifas de transporte, que foram a razão do início das tensões, mas também nossos valores mais tradicionais.”

Apesar da dificuldade do desafio, Meruane afirma que voltou do Chile otimista, por ver uma juventude nas ruas levantando essas bandeiras, além de uma renovação de intelectuais e de formadores de opinião. 

“Passamos muito tempo adormecidos como sociedade, e agora parece que estamos acordando. Isso é bom, embora as tensões possam continuar por um tempo”, afirma.

Sistema Nervoso

  • Preço R$ 42 (240 págs.)
  • Autor Lina Meruane
  • Editora Todavia
  • Tradução Sergio Molina
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