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Novo livro de Javier Cercas dá clima noir a conflito histórico da Catalunha

Em 'Terra Alta', protagonista é o policial desconhecido que matou terroristas após ataques de 2017

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Cartagena

Quando terminou de escrever “O Rei das Sombras” (2017), que considera seu livro mais desafiante, pois tratava de um personagem familiar —um tio-avô morto precocemente ao lutar junto aos franquistas na Guerra Civil Espanhola (1936-1939)— o escritor espanhol Javier Cercas, 58, viveu seu pior pesadelo. 

Ele se sentiu no lugar de “um escritor que esgotou seus temas e que corria o risco de começar a se repetir”, conta. “Pensei que nunca voltaria a escrever novamente.”

O escritor Javier Cercas durante palestra no Fronteiras do Pensamento, em 2018, em São Paulo
O escritor Javier Cercas durante palestra no Fronteiras do Pensamento, em 2018, em São Paulo - Greg Salibian/Fronteiras do Pensamento - 24.out.2018

Em entrevista à Folha, durante o Hay Festival, em Cartagena, na Colômbia, Cercas disse ter tido pesadelos com a sensação que durou meses. 

“Tive uma grande alegria ao conseguir terminar ‘O Rei das Sombras’, porque este era o livro que sempre quis escrever”, diz. “Era a história de alguém que minha mãe adorava, de um herói da família, morto aos 19 anos na linha de combate, e que, ao mesmo tempo, representava algo contra o qual sempre me posicionei, o franquismo, a ditadura.” 

“Adorado por meus familiares, sempre achei que ele defendeu o lado errado”, diz. 

“Tive que questionar minhas raízes e as de minha família, foi muito desgastante”, relata o autor de outro clássico sobre o mesmo período, “Soldados de Salamina” (2001). 

“O esforço foi tamanho que eu achava que tinha me esgotado como autor. Olhava para meus outros projetos e nada me entusiasmava mais.”

Três anos depois, Cercas acaba de vencer o prêmio Planeta com uma nova obra, “Terra Alta”, que será o início de uma ainda prometida tetralogia literária. 

Trata-se de um thriller, contado em terceira pessoa —algo raro para Cercas— e que tem lugar na Catalunha transtornada de nossos dias pela reivindicação de sua independência, onde há episódios de violência e repressão. 

“Não apenas eu, mas muitos escritores, artistas, jornalistas, ficaram tão impactados que não creio que vamos voltar a ser as mesmas pessoas.”

“Como dizia o historiador Josep Fontana, a Catalunha viveu sempre num estado ‘pré-bélico’. Eu não concordava, achava um exagero dele, até ver isso de fato ocorrer diante de meus olhos.”

Cercas não gosta de afirmar que “Terra Alta” tenha a crise catalã como um pano de fundo, mas sim que o livro nasceu de um impulso para mostrar o novo escritor no qual ele se transformou depois desse período. Também buscou a ideia de mostrar um lugar que parece hoje diferente daquele em que vivia. Cercas nasceu em Extremadura, região próxima a Portugal, mas mora na Catalunha há muitos anos.

A obra conta a história fictícia de um policial que investiga um terrível crime ocorrido em Terra Alta, um pequeno vilarejo empobrecido no sul da Catalunha. O personagem, porém, é inspirado em uma figura real. 

Quando ocorreram os ataques de terroristas islâmicos na Catalunha, em agosto e setembro de 2017, houve um policial que conseguiu matar quatro terroristas em poucos minutos. “A identidade dele está protegida até hoje, não sabemos quem é. Pois eu dei vida a esse homem. É sua a história fictícia desse romance.” 

No livro, Melchor Marín é esse policial, um ex-delinquente e traficante de drogas recuperado. Ele tem de investigar o assassinato triplo de membros de uma família abastada e temida na região. Ainda sem data para sair no Brasil, parece um romance noir. 

Nas páginas de “Terra Alta” não se encontram referências explícitas ao processo de independência da Catalunha, a respeito do qual Cercas tem severas críticas. “Seria muito panfletário e evidente fazê-lo abertamente”, afirma. 

E explica: “Prefiro seguir o exemplo de Kafka, que para falar de seu desespero existencial, de sua incapacidade de viver naquela sociedade, inventa uma história de um homem que desperta transformado em uma barata”, diz, em menção a um clássico do autor, “A Metamorfose”. 

“Não é necessário abordar nossos temas frontalmente se a literatura nos oferece recursos para fazê-lo de outra maneira”, diz. 

Com relação à crise catalã, uma das coisas que mais o incomoda, além da violência e do clima de divisão entre amigos e famílias, é “o dilúvio de mentiras que eram publicadas na imprensa, ou que chegavam por meio de amigos que vivem fora”. 

Quando diz que se transformou num escritor diferente, Cercas afirma que é porque tratou, numa obra, pela primeira vez, de temas como a justiça e a vingança. 

O escritor também diz estar assumindo cada vez mais a obsessão pela escrita de épicos. “Houve uma fase em que a humanidade consumiu uma literatura épica, obras como ‘Ilíada’, mas isso foi abandonado e quem agarrou foi o cinema”, explica.

Terra Alta

  • Preço R$ 105 (384 pág.)
  • Autor Javier Cercas
  • Editora Planeta
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