Saiba como 'Honeyland' mudou o jogo no Oscar

Longa é o primeiro a ser indicado tanto como melhor documentário quanto como melhor filme internacional

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Sara Aridi
The New York Times

A corrida pelo Oscar está em curso e todo mundo está de olho nos grandes favoritos: “Coringa”! “História de Um Casamento”! “Era Uma Vez em... Hollywood”!

Mas um filme pequeno e pouco conhecido, em meio aos títulos estrelados, vem ganhando terreno discretamente.

“Honeyland” é o primeiro filme a ser indicado como melhor documentário e melhor longa internacional (a categoria que no passado era conhecida como melhor filme em idioma estrangeiro). Acompanha a trajetória de Hatidze Muratova, uma apicultora de meia-idade cuja vida tranquila na região rural da Macedônia é desordenada quando uma família caótica se muda para a casa vizinha.

O filme estreou no Festival Sundance de Cinema do ano passado, e saiu vitorioso com três prêmios, entre os quais o grande prêmio do júri para documentário, na competição internacional.

 

Mais tarde, o filme conquistou prêmios em festivais de cinema menores em todo o mundo, e continua a ganhar prestígio. O site Rotten Tomatoes registra 99% de críticas positivas e, em dezembro, A.O. Scott, crítico de cinema do The New York Times o considerou como melhor filme de 2019.

O filme, ele escreveu, é “nada menos que um épico achado, uma alegoria ambiental na vida real e, além disso, uma comédia cortante sobre o problema de vizinhos inconvenientes, antigo como o mundo”.

“Honeyland” é azarão na categoria de melhor filme internacional. Representa a estreia em longas de Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov, e concorre com dois trabalhos muito comentados de cineastas veteranos, a comédia de suspense “Parasita”, de Bong Joon-ho, e o drama “Dor e Glória”, de Pedro Almodóvar.

Na categoria documentário, o filme concorre contra “Indústria Americana”, o primeiro filme da produtora de Michelle e Barack Obama para a Netflix.

Assim, por que um filme sobre uma mulher pobre, que vive em uma aldeia isolada, realizado por cineastas pouco conhecidos, ecoou com tanta força entre espectadores de todo o planeta?

No começo, “Honeyland” captura Muratova enfrentando o dia a dia. Ela aparece cantando para as abelhas; vendendo mel em Skopje, a capital da Macedônia; e cuidando de sua mãe doente, uma octogenária que enxerga e escuta muito mal.

Em seguida somos apresentados aos novos vizinhos, Hussein Sam, sua mulher e os sete filhos do casal, e o gado e galinhas que a família cria. Enquanto Muratova é calma e entusiástica, a família de Sam é ruidosa e mal-humorada (além de muito boca suja). Suas diferenças se tornam problemáticas quando Sam tenta começar a criar abelhas e viola a regra de ouro da vizinha: deixar metade do mel para as abelhas.

Sam pode parecer o vilão da história —seu modo de agir ameaça o destino tanto de Muratova quanto das abelhas dela. Mas por outro lado ele é apenas um pai tentando sustentar sua família e satisfazer um comprador impaciente. Sua situação desconfortável, disseram os diretores, é um dos elementos que faz de “Honeyland” uma história universal.

“O filme funciona como um espelho”, disse Kotevska em uma entrevista por telefone. “Algumas pessoas se reconhecem em Hatidze. Algumas se reconhecem na outra família.”

As disputas entre os dois lados conduzem a narrativa. Há também os momentos tocantes entre Muratova e sua mãe enferma, que está ciente da carga pesada que a filha tem de carregar. Os cineastas também capturam o elo cada vez mais forte entre Muratova e um dos filhos de Sam, que costuma escapar para o silencioso mundo da vizinha depois de brigar aos gritos com o pai.

O resultado é uma história nuançada que fala de solidão, capitalismo e um modo de vida que está acabando. Acima de tudo, disse Stefanov, ele e Kotevska queriam mostrar como a cobiça funciona “em um nível muito básico” —no caso, em uma terra remota habitada por apenas um punhado de pessoas.

Os críticos não param de elogiar o filme. O jornal Los Angeles Times escreveu que poucos documentários “já ofereceram uma alegoria tão ferozmente íntima, tão metodicamente detalhada, das maravilhas da terra ao serem devastadas pelas consequências da cobiça humana”.

A revista Hollywood Reporter escreveu que “a crônica que Stefanov e Kotevska destilaram oferece muitos momentos de descoberta inesperada —momentos que podem ser ternos, engraçados, ruidosos ou serenos”.

Mas ainda assim, Stefanov e Kotevska nem imaginavam que pudessem estar a caminho do Oscar. “Depois do Sundance, ficou claro que o filme era bom e que as pessoas o amam”, disse Stefanov. “Mas não imaginávamos receber duas indicações”.

Eles na verdade nem esperavam conseguir contar a história.

Os diretores encontraram as colmeias de Muratova por acaso, quando estavam pesquisando para um documentário ambiental. Depois de conhecê-la, eles se intrigaram com as tradições de apicultura muito antigas que ela preserva.

Filmaram mais de 400 horas ao longo de três anos, trabalhando em condições precárias; Muratova morava em um casebre mal cuidado, sem eletricidade. Stefanov e Kotevska a visitavam por alguns dias de cada vez, dormindo em barracas. O único plano deles era esperar pela oportunidade de registrar cenas significativas.

A indicação do trabalho ao Oscar de melhor filme internacional, disse Kotevska, é prova de que trabalhos de ficção e não ficção não deveriam ser julgados separadamente. (Mas determinar se um documentário poderá de fato um dia ser indicado ao prêmio de melhor filme é história bem diferente.)

“Nosso entendimento do cinema é o de que ele não deveria ter fronteiras”, disse Kotevska. “Contar bem uma história é contar bem uma história”.

Tradução de Paulo Migliacci

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