Selo mexicano produz salsa, cumbia, techno, disco e funk em galpão hipster

O foco da Onda Mundial são artistas latinos que produzem música para dançar

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Cidade do México

Em uma pista de dança montada num galpão de um bairro tradicional da Cidade do México, o DJ manda para os alto-falantes sua mistura de house music com canções tradicionais dos Andes. O público dança, mas parece não entender bem o conceito de Quixosis, produtor de Quito que adiciona às batidas eletrônicas trechos de músicas equatorianas dos anos 1950.

Uma hora mais tarde, o live act do F5 vira o jogo. O grupo uruguaio formado por um DJ e três percussionistas que fundem house com o ritmo africano do candombe faz as pessoas levantarem os braços e assobiarem a cada virada de música. “Manos arriba, manos arriba!”, instiga o DJ Lechuga Zafiro ao microfone, no que parece mais um show de estádio do que uma balada eletrônica. Suas mixagens são acompanhadas do grave dos tambores, potentes como uma minibateria de escola de samba.

A apoteose da plateia em torno do grupo de Montevidéu foi o momento alto da noite que marcou o lançamento do selo musical e produtora de conteúdo Onda Mundial, na sexta (24). A busca da energia que acontece na pista de dança é a razão de ser da empresa mexicana, formada por nomes conhecidos da cena de festas da Cidade do México com o apoio financeiro de investidores locais e dos EUA. O foco do negócio são artistas latinos que produzem música para dançar.

“Esse conceito é muito amplo. Pode ser salsa, cumbia, techno, disco, funk, e é essa diversidade que queremos mostrar”, justifica o diretor geral Íñigo Villamil, um dos sócios, que trouxe para o negócio sua experiência de uma década produzindo baladas em locais inusitados da capital mexicana e também ajudando a colocar em pé o festival de música Bahidorá. 

Embora a Onda Mundial promova estilos como o cancioneiro tradicional do interior do México —presente no trabalho da cantora trans La Bruxa del Texcoco, por exemplo— a grande parte dos lançamentos iniciais do selo pende para a música eletrônica feita no underground. Estão no catálogo faixas da produtora paulistana Bad Sista, do francês radicado em São Paulo Loïc Koutana e do DJ mexicano Rubinskee. Há também um coletivo com 25 DJs que inclui o chileno-alemão Matias Aguayo, nome referência das pistas de techno há vários anos.

Além do DNA latino, estes artistas e seus fãs dividem valores liberais e uma maneira progressista de pensar, pois a pista de dança tende a ser um lugar inclusivo, justifica Villamil. “É o que chamo meio de brincadeira de a grande família latino-americana”, diz. Villamil mede as palavras, sem vincular a Onda Mundial a uma ou outra corrente política, embora boa parte dos músicos representados pela companhia sejam críticos a governos e a modos tradicionais de vida.

Para a diretora de artistas e repertório, Lucía Anaya, o teor da mensagem de cada músico varia de acordo com o país: “Acredito que o Brasil é mais duro politicamente, pois o [presidente Jair] Bolsonaro é completamente extremo. Aqui no México temos um presidente de esquerda, mas isso não é tão claro. No Brasil [a cena] é mais transgressora”, afirma, em referência ao universo de festas e artistas paulistanos.

A sede da Onda Mundial é um antigo galpão industrial que ocupa meio quarteirão no bairro de Doctores, “uma zona muito central mas um pouquinho perigosa”, como definiu à reportagem um motorista local. As ruas um tanto degradadas dos arredores combinam com o espaço reformado no estilo hipster nova-iorquino, com paredes descascadas, sinais de neon em meio a jardins verticais e mesas coletivas. Além dos escritórios, ali funcionam uma balada, um estúdio de gravação, uma rádio online, uma loja de discos e uma sala de aula para palestras e workshops.

Villamil não revela quanto foi investido no negócio, mas afirma que o aporte inicial veio de fundadores que aceitam correr grandes riscos ao apostarem em um modelo novo. Isso significa que a Onda Mundial não atua como uma gravadora tradicional, cuidando de todos os aspectos da carreira de um artista e lançando álbuns completos.

Pelo contrário: a empresa compra o direito intelectual de faixas avulsas (“pagamos bem”, diz Anaya), trabalhando a promoção das músicas individualmente. O artista não ganha royalties cada vez que sua composição é executada, mas leva uma porcentagem quando alguma canção é licenciada para terceiros. “Possuir uma música é tipo possuir um imóvel que você pode explorar e dividir os lucros”, completa Villamil.

Este modelo é afeito a uma indústria musical onde os singles e as playlists executadas nos serviços de streaming ganham a prioridade dos ouvintes em relação a álbuns completos. A Onda Mundial também surge em um momento de maturidade na cena de festas de música eletrônica nas capitais do continente, afirma Anaya, sobretudo em São Paulo e na Cidade do México, os principais mercados.

Há cerca de 50 faixas contratadas para serem lançadas nos próximos meses, o que deve trazer de volta parte do dinheiro investido. Outras fontes de renda serão a monetização com anúncios no YouTube, a produção de festas, festivais e shows, e turnês pela Europa com grupos de artistas representados. “Em última análise somos uma marca de entretenimento, tipo a Disney, mas underground”, brinca Villamil.

O jornalista viajou a convite da produtora Onda Mundial

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