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Adaptada de Elena Ferrante, nova safra da série 'My Brilliant Friend' tem vida própria

Diálogos fazem as vezes de cenas mais longas do livro e mostram qualidade do roteiro da série

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My Brilliant Friend

  • Quando Segundas, às 23h
  • Onde HBO e HBO Go

Seis jovens se apertam num carrinho minúsculo; a maioria deles comenta animadamente os fatos da noite. Assim nos lembramos de onde “My Brilliant Friend” havia deixado o espectador ao fim de sua primeira temporada.

Lenu e sua turma —Pasquale, Enzo e Antonio, seu namorado, espremidos no banco da frente; Carmela e Ada com ela no banco de trás— voltam do casamento de Lila com Stefano Carracci, o charcuteiro.

Os diálogos no carro nos mostram a primeira estratégia para superar bem o desafio de condensar cerca de 70 páginas em 62 minutos.

Passado o encantamento de ver ganharem carne, na primeira temporada, as personagens de papel, confirma-se o que já se destacava ali: a adaptação da HBO para a “Série Napolitana” de Elena Ferrante é uma obra autônoma.

Falas que se ajustam de forma muito crível à boca dos personagens substituem longas descrições, enquanto a cara amuada de Margherita Mazzuco como Lenu refresca nossa memória.

Lila não estava nada contente no casamento; Stefano havia lhe aprontado a desfeita de permitir a presença dos irmãos Solara na festa. E ainda dera a Marcello, pretendente rejeitado da noiva, o sapato feito por ela para o noivo.

“História do Novo Sobrenome”, o livro, aborda a mudança de lugar social das protagonistas, as decisões que as levam à vida adulta. No primeiro episódio, como frisa o título, “The New Name”, o novo sobrenome, a decisão enfocada é a de Lila de se fazer mulher pelo casamento precoce.

No caso, ser mulher é ser mulher de alguém. O choque dessa constatação norteia o episódio. Lila se sente traída, logo ao sair do altar, pela sua escolha de se unir a Stefano.

Aqui se deixam ver de novo as qualidades do trabalho do roteiro da série de Saverio Costanzo, acompanhado de perto pela própria Ferrante.

Se diálogos substituem cenas mais longas, outras são mantidos em toda a sua força, como aquela em que Stefano faz o que então se chamaria pôr a esposa no devido lugar.

Pequenas frases do livro, como “nenhum dos dois jamais estivera em um hotel, e se comportaram de modo muito desajeitado” se traduzem, sem palavras, em cenas nas quais se frisa o gestual constrangedor daqueles que nunca haviam visto o mundo muito além do bairro pobre de Nápoles onde nasceram.

A violência do bairro, da realidade em que se inserem os personagens, viaja entre os pertences dos recém-casados. Irrompe de forma tensa no âmbito privado do casamento, o que fará com que se reatem os laços entre as amigas.

Pequenos detalhes saltarão aos olhos de quem leu a tetralogia há pouco, ou de quem a relê para cotejá-la com a série.

Por exemplo, se Lila recém-casada parecia imitar os trajes de uma Jacqueline Kennedy, o que não é enunciado na série, é com um modelo de óculos à la Jackie que esconde as marcas da tirania de Stefano.

A condensação da série também deixa mais nítido um paralelismo crucial, que serve de nota de fundo ao livro, mas de forma sutil, diluída em 471 páginas. Lila não atribui seu erro somente ao casamento.

Ele começa muito antes, ainda na infância, quando aceita, com Lenu, a troca de suas bonecas, perdidas no porão do pai de Stefano, por dinheiro.

Que o fruto da transação tenha servido para que elas comprassem o livro que dividiram na infância e lhes abriu o mundo pouco importava. Na realidade, os limites do mundo eram bem claros para as mulheres, e crer na libertação pela cultura fora um engano.

A constatação do erro é exposta concisamente a Lenu no ambiente luminoso, em tons pastel, do novo apartamento onde vivem Lila e Stefano.

Novamente fica claro o expediente cromático evidente já na primeira temporada —enquanto tudo no bairro é de um sujo ocre, a casa num prédio recém-construído é rósea, mesmo se a vida ali não é.

O apartamento que reluz em meio ao bairro triste se torna uma espécie de casa de bonecas, onde voltam às brincadeiras, entre as quais a favorita, o jogo intelectual que Lila deixou de lado e Lenu pensa em abandonar.

Mas a realidade lá fora é estreita, tudo é opressão; o que é grande quer sempre aprisionar o pequenino. Só a amizade fornece algum respiro.

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