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Coronavírus

Vittorio Gregotti passou a vida questionando o papel da arquitetura

Italiano vítima do coronavírus foi diretor da Bienal de Veneza e esteve à frente da revista Casabella

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Na manhã deste domingo (15), o coronavírus vitimou o arquiteto italiano Vittorio Gregotti, 92. De acordo com o jornal Corriere della Sera, ele e sua mulher Marina Mazza foram internados no hospital San Giuseppe em Milão com pneumonia decorrente da Covid-19.

Por décadas, Gregotti cumpriu elegantemente o papel de arquiteto erudito, capaz de ser igualmente magistral nos projetos e na escrita. Sua polivalência foi destacada pelo atual presidente da Trienal de Milão e autor do Bosco Verticale, Stefano Boeri. “Nestas horas sombrias, vai embora um mestre da arquitetura internacional, um ensaísta, crítico, docente, editor, polemista, defensor das instituições que fez a história da nossa cultura", escreveu.

Gregotti nasceu em 10 de agosto de 1927 em Novara, na região do Piemonte. Nos anos 1950, estudou arquitetura no Politécnico de Milão. Em 1974, fundou seu escritório Gregotti Associati International e, no ano seguinte, assumiu o cargo de diretor de artes visuais da Bienal de Veneza.

Retraro do arquiteto Vittorio Gregotti em 2002 - MP/Portfolio/Leemage/AFP

O tradicional evento estava em sua maior crise desde 1968 com o boicote de muitos artistas contra o caráter comercial que observavam na organização. Após anos sem ser realizada no formato em que temos hoje, a Bienal de Veneza de 1976 foi o retorno do evento, tendo como título “Ambiente, Participação, Estruturas Culturais”. Foi também a primeira edição em que a arquitetura apareceu como disciplina central em igual importância com as artes visuais –o que abriu caminho para a autonomia da Bienal de Arquitetura de Veneza a partir de 1980.

As análises de Gregotti eram acompanhadas com atenção no meio arquitetônico —tanto como docente no Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza quanto, e principalmente, nos seus anos como editor da prestigiada revista Casabella. O historiador Daniele Pisani afirma que a publicação nos anos de Gregotti foi “incrível: um teatro de reflexão crítica e, ao mesmo tempo, um exemplo de abertura".

Escreveu mais de uma dezena de livros, dentre os quais “Território da Arquitetura” —publicado em 1966 na Itália e traduzido para o português pela editora Perspectiva nos anos 1970–, que teve imensa influência em círculos universitários brasileiros nas décadas seguintes. Por títulos dele e de seus contemporâneos Aldo Rossi e Paolo Portoghesi, havia a jocosa observação entre alguns membros da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro de que “era preciso falar italiano para estudar crítica de arquitetura.”

Gregotti e sua geração italiana de arquitetos davam especial atenção ao contexto, tanto à vizinhança construída quanto nos aspectos culturais. Usavam como parâmetro elementos construtivos das edificações imemoriais da localidade e também as relações humanas impregnadas de códigos e tradições específicas.

O interesse no entorno o distingue do caráter universalista da arquitetura moderna de Le Corbusier (das primeiras décadas) e Mies van der Rohe. Por isso, é muito frequente que, no Brasil, Vittorio Gregotti seja qualificado como pós-moderno.

Grande parte de sua atuação como projetista se deu em planos urbanísticos, sendo o mais notável Bicocca –uma antiga área industrial de Milão convertida com prédios de habitação e de escritórios nos anos 1990 e 2000.

Também lidando com a grande escala, projetou o campus da Universidade da Calábria, construído entre 1973 e 1979, em Cosenza —uma megaestrutura sobre uma paisagem de colinas, que parte de uma grande linha infraestrutural que articula diferentes prédios com distintas faculdades e departamentos.

Seu estádio Luigi Ferraris, concluído em 1989, em Gênova, se encaixa tal como um quarteirão convencional num antigo e compacto tecido urbano.

O mais célebre projeto de Gregotti (no caso, em coautoria com Manuel Salgado) é o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, resultado de um dos concursos internacionais com maior repercussão no final do século 20. A monumentalidade do edifício não está somente no seu tamanho gigantesco, mas igualmente no percurso do visitante.

Há algo de solene e cerimonioso ao atravessar a larga escadaria do eixo central do edifício, intermediada por pátios e uma sucessão de espaços ao ar livre e cobertos. Reconhecemos a edificação próxima ao rio Tejo como moderna, mas o peso da sua volumetria nos remete a um imaginário da Antiguidade, de palácios mesopotâmicos e egípcios às margens do rio Eufrates e Nilo.

Passou as últimas décadas de vida questionando o papel do arquiteto, especialmente no presente mundo globalizado. Um dos últimos livros que escreveu tem como título “Contra o Fim da Arquitetura”.

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