Descrição de chapéu Artes Cênicas

Completamente nua, indiana confronta machismo em peça politizada na MITsp

Para artista, Bolsonaro e primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, representam processo de fascistização

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Guilherme Henrique
São Paulo

O burburinho da plateia se desfaz rapidamente. Mallika Taneja adentra o palco completamente nua. Paralisada no centro do tablado, com feição serena, encara o público por alguns minutos. Acaricia suas formas como se tivesse diante de si um espelho.

Pouco a pouco, começa a vestir peças e mais peças de roupa, que ao longo dos 35 minutos de duração do espetáculo —a versão inicial tinha oito minutos— transformam a artista nascida em Nova Délhi, na Índia, em uma espécie de armário ambulante. O humor e a sátira ao lidar com o corpo em suas diferentes versões é permeada pelo debate sobre como a mulher é exposta e confrontada diariamente apenas pelo fato de ser mulher.

Há sete anos, Taneja criou o solo “Tenha Cuidado” (“Be Careful”), que está na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp). Ela conta que a crítica em seu país foi positiva. “Foi um choque, mas quase sempre pelo lado positivo. Surpreendentemente, não ouvi muitas coisas ruins sobre o espetáculo. Minha luta maior está em encontrar palcos disponíveis. Às vezes, organizações querem realizar a peça, mas acabam não fazendo por acharem sensível demais”, afirma.

Dados divulgados há dois anos pela Thomson Reuters Foundation listou a Índia como o lugar mais perigoso do mundo para mulheres. Em dezembro de 2019, uma jovem de 23 anos teve o corpo incendiado quando ia ao tribunal da cidade de Unnao para depor contra dois homens suspeitos de a terem estuprado.

Mesmo diante desse cenário, as mulheres indianas estão na linha de frente dos protestos exigindo que a Lei de Cidadanias promulgada pelo primeiro ministro Narendra Modi, que facilita a obtenção de cidadania indiana para cristãos, budistas, hindus, parsis, jains e sikh, de países como Afeganistão, Bangladesh e Paquistão, seja estendida aos muçulmanos.

“É interessante notar como as mulheres se tornaram centrais e os homens periféricos. O patriarcado e o sexismo continuam lá, não foram embora. Mas essa força faz com que a narrativa, nesse momento, esteja com as mulheres e seus direitos”, afirma Taneja.

Nesse contexto, a atriz entende que a sua peça, que já esteve no Reino Unido, na Austrália e no Japão, deve estabelecer pontes e apontar caminhos. “O que está em jogo é que homens que você nunca imaginou que escutariam algumas coisas estão escutando. Como artista, preciso aproveitar essa oportunidade para conversar sobre gênero, já que são os corpos femininos que estão ocupando os espaços”.

Além de “Tenha Cuidado”, Taneja realizará uma caminhada neste sábado (7), com apenas mulheres. A atividade vai começar às 23h, em frente ao Itaú Cultural, na avenida Paulista, e tem como destino o Hospital Pérola Byington, na Av. Brigadeiro Luís Antônio. A ação é aberta para todas as mulheres interessadas.

“Para mim, a caminhada é performativa, artística, política e extremamente sutil. Cada uma vem por alguma razão e tira o que quiser dessa experiência. Criamos uma imagem de mulheres caminhando que precisa ser normalizada. Afinal, podemos ter um grupo andando juntas, e OK. Mas quando uma mulher sozinha poderá caminhar tranquilamente à noite?”, questiona.

Taneja sorri com ironia quando o nome de Jair Bolsonaro e Narendra Modi são ditos na mesma frase. “São os melhores amigos”, brinca. Para ela, a eleição de ambos exemplifica uma fratura social que acomete Índia e Brasil. “Há uma fascistização nesse processo. Às vezes penso: quem é o meu público, para quem estou falando, se mais da metade da população votou neste sujeito? Não tenho essa resposta. Ainda que eu possa falar muitas coisas com esse trabalho, o medo é forte e real”, diz.

Taneja, entretanto, comemora o fato de que as semelhanças entre os dois países vão além dos mandatários. “Nós temos histórias coloniais em comum e realidades políticas similares. Precisamos achar a maneira de juntar esses pontos neste momento em que tudo está se desfazendo e que temos pouco a perder. Se conseguirmos isso, nossa solidariedade será mais forte”, conclui.

Tenha Cuidado

  • Quando Sáb. (7), às 19h, e dom. (8), às 17h e 19h
  • Onde Itaú Cultural, av. Paulista, 149, Bela Vista, São Paulo
  • Preço Grátis
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.