Descrição de chapéu Artes Cênicas

Coreografia que simula rave para atingir o êxtase, 'Multidão' abre a MITsp

'Se o poder público não respeita a arte, está desrespeitando o que temos de mais humano', diz diretora franco-austríaca

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São Paulo

Um clube de Berlim nos anos 1990. A música é techno, os corpos jovens experimentam emoções diluídas na multidão da rave, em estados de consciência mais ou menos alterados.

Esta é a cena que a franco-austríaca Gisèle Vienne põe no palco do Auditório Ibirapuera na abertura da MITsp, a Mostra Internacional de Teatro, que começa nesta quinta (5).

Na referência a essas festas, a diretora e coreógrafa quer criar em “Multidão” uma experiência artística, filosófica e existencial do êxtase.

Sua primeira inspiração foi a “Sagração da Primavera”, balé coreografado para Nijinsky no início do século 20. O que mais a interessou foi a dramaturgia da obra, baseada em rituais pagãos do Leste Europeu.

“Quero saber qual o papel filosófico da arte, como ela pode levar a experiências significativas da mesma forma que rituais religiosos podem levar ao êxtase”, diz a diretora.

“Multidão” questiona como e quando o êxtase é considerado uma experiência cultural. Para isso, a coreógrafa manipula o tempo: os corpos altamente treinados dos bailarinos vão perdendo o controle, mas em câmera lenta, com movimentos em looping ou congelados em “frames”.

Vienne morou em Berlim no início da década de 1990, e viveu a cena techno dos clubes locais. São, para ela, tentativas de o indivíduo perder o controle coletivamente para viver experiências profundas.

“A emoção intensa é uma informação, e o compartilhamento social dessas emoções é comunicação. Quanto mais forte a emoção, mais você comunica, numa tentativa de entender o que está acontecendo e por quê.”

Com seu trabalho, ela quer criar uma experiência física do mundo. “O pensamento filosófico tem que considerar o físico. Tanto para quem está no palco quanto para a plateia, o que acontece nos corpos complementa, contradiz e questiona suas visões de mundo”, afirma.

Na sociedade de hoje, não há espaço para isso, nem para se deixar levar, segundo a coreógrafa. “É o espaço do sagrado, que existiu e existe em outras sociedades, mas não no Ocidente capitalista. Para suprir esse vazio, criamos coisas como as raves, mas elas acabam sendo absorvidas pela lógica do mercado.”

Algo semelhante ocorre quando a arte vira mero entretenimento, na opinião da diretora. “Nada contra o entretenimento, mas não é isso que estou procurando. Para mim, a arte é uma forma de conhecer melhor a mim mesma e o que está ao meu redor.”

Por isso, ela diz não entender como a sociedade e a política podem negligenciar a arte. “Se o poder público não respeita a arte, está desrespeitando o que temos de mais humano, a procura do sentido profundo da vida. É tão essencial quanto comer.”

Multidão

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