Djonga recorda vivências e amigos que se foram em disco sobre origens

'Falo sobre o lugar de onde vim porque é o que mais formou meu caráter, diz o rapper sobre 'Histórias da Minha Área'

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São Paulo

Djonga diz que “Histórias da Minha Área” foi o disco mais fácil e o mais difícil que ele já fez.

“Foi difícil lembrar de certas situações que eu passei ou que amigos passaram, tanto de relacionamentos quanto de vivências. São coisas que machucaram, e algumas machucam até hoje”, ele diz. “Ao mesmo tempo, foi fácil, porque é tudo verdade. Então foi só escrever.”

O quarto disco do rapper mineiro, nascido Gustavo Pereira Marques, chega quatro anos depois de seu álbum de estreia, “Heresia”, de 2017. Desde então, ele tomou para si o dia 13 de março no calendário do rap nacional, lançando, anualmente, um disco de inéditas diferente na data —“O Menino que Queria Ser Deus”, em 2018, e “Ladrão”, no ano passado.

Para o álbum deste ano, ele se dedicou à vivência na zona leste de Belo Horizonte, nos bairros de São Lucas e Santa Efigênia, onde foi criado. “Estou conseguindo ficar um tempo com meus amigos, viver o meu bairro.”

Logo na primeira faixa, “O Cara de Óculos”, ele se lembra de 2006, quando tinha 12 anos e tomava coragem para ir “atrás de uma novinha”. Quando tinha 15, estava “com um oitão na minha cara”. “Relaxante no cabelo que o pretinho decola/ Consciência social era roubar playboy/ Dividir o lanche, dividir marola”, rima.

“Histórias da Minha Área” —as dez faixas somaram mais de 25 milhões de plays só na semana de lançamento— ganhou forma depois que Djonga percebeu que, ao falar da própria trajetória e de seus amigos, estava falando de muita gente.

“Sabe aquele momento que você está contando um causo e todo mundo tem uma história parecida?”, pergunta. “A quebrada, a convivência com os parceiros, a violência que a galera sofre, o jeito que a cabeça das pessoas é formada —por precisar de certas coisas, não ter condições e buscar métodos complicados e errados, vamos dizer assim. Isso é tudo muito parecido no Brasil.”

De certa forma, “Histórias da Minha Área” é um dos discos mais politizados do rapper, ainda que não tenha tantas reflexões sobre a política institucional como seus trabalhos anteriores. Djonga, que cursou história na Universidade Federal de Ouro Preto, diz que, desta vez, abriu mão do discurso intelectualizado.

“Acredito que uma das melhores formas de participar do jogo democrático é dando voz a pessoas que vieram de onde eu vim”, diz. “A maior parte desse debate é feito por um tanto de intelectual playboy, uma galera que sempre teve grana e condição de debater. E que falam, falam, falam e muitas vezes não estão nem aí para a rapaziada de lá.”

"Quando você fala de violencia policial, racismo, homofobia, também está falando desse momento político que a gente vive."

“Histórias da Minha Área”, na verdade, dá um CEP às discussões recorrentes nas letras de Djonga. Em “Oto Patamá”, o rapper cita Bruno Henrique, jogador do Flamengo que também foi criado na periferia de Belo Horizonte e chegou ao mais alto nível do esporte no Brasil. Em “Não Sei Rezar”, recorda e homenageia os amigos que morreram precocemente.

Esteticamente, o disco mantém uma linguagem desenvolvida pelo rapper com o beatmaker Coyote em todos os seus álbuns. Há elementos de funk e até uma música meio acústica, mas em geral os instrumentais são eletrônicos e puro hip-hop.

“Coyote é um gênio, minha alma gêmea na música”, diz. “Somos como uma banda. Tipo o Barão Vermelho. Compor e tocar sempre juntos não existe muito no rap.”

Sobre trabalhar com outros produtores no futuro, ele diz que está aberto à ideia, mas não abre mão do parceiro. “Se chegar um cara com um beat foda [posso usar], só vou pedir para o Coyote dar um toquezinho. Se não tiver repetição, não tem identidade.”

Na romântica “Mania”, Djonga divide o microfone com o funkeiro paulista Don Juan, enquanto em “Gelo” canta com os rappers FBC, conterrâneo e parceiro desde o primeiro álbum, e NGC Borges, que desponta no trap carioca. Bia Nogueira, que canta em “O Cara de Óculos”, é diretora da remontagem de “Madame Satã” em que Djonga é o protagonista.

Mesmo falando das vivências de sua área, “Histórias da Minha Área” não chega a ser um disco coletivo. "Estou falando desse lugar de onde vim porque acho que é o que mais formou meu caráter."

Os conflitos internos e inseguranças do rapper aparecem em músicas como “Amr Sinto Falta da Nssa Ksa”, que desenvolve os temas pessoais de faixas de discos anteriores, como “Leal” e “Bênção”, de “Ladrão”, e “Junho de 94”, de “O Menino que Queria Ser Deus”. “Procuro Alguém” é dedicada à filha recém-nascida Iolanda, enquanto “Todo Errado” é um “rap de corno”, segundo ele —que diz trocar mensagens com Marília Mendonça, sua fã declarada.

“Histórias da Minha Área” também destaca a evolução de Djonga ao longo dos últimos quatro anos, quando ele foi de MC promissor a um dos maiores do país, admirado publicamente por gente como Mano Brown e Emicida. No caminho, criou o DV Tribo e depois se separou do grupo —que tinha Clara Lima e Oreia, além dele, Coyote e FBC. Estourou em todo o país participando dos vídeos da marca Pianeapple Supply, como a série “Poesia Acústica” e o freestyle “Olho de Tigre”.

Aos 25 anos, ele recorda dos versos gritados de “Heresia” e como descobriu o talento para fazer refrão —uma das principais características do novo disco— ao longo dos álbuns. “Não sabia que eu conseguia cantar. No ‘Menino que Queria Ser Deus’, cantei com medo, mas descobri que eu conseguia.”

Mas as maiores mudanças, ele diz, foram as pessoais, incluindo o nascimento dos filhos. “No ‘Heresia’, eu tinha a necessidade de ganhar grana, fazer show. Descobri que ia ser pai, que meu trabalho estava funcionando e eu teria várias responsabilidades. Eu estava começando de fato a virar um homem maduro, adulto.”

Como canta em “Gelo”, de onde Djonga veio, só “bola, igreja ou crime” para “tirar os menores do sofrimento”. No caso dele, o caminho foi o da música.

“Sempre fui responsável por mim, mas percebi que teria que levar um monte de gente comigo. Parentes, amigos, uma família para criar. Isso ao mesmo tempo em que descobri que poderia fazer o que quisesse —zoar, beber para caralho. Muita coisa mudou, sou outra pessoa. Mas não daria conselho nenhum para mim naquela época. Tudo aconteceu como tinha que ser.”

Histórias da Minha Área

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  • Autor Djonga
  • Produção Coyote Beatz
  • Gravadora Ceia Ent
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