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Televisão Maratona

Documentário 'Marielle' exagera no tom sentimental, mas acerta ao detalhar investigação

Minutos se prolongam com vídeos de sua festa de 15 anos, marcada por roupas e decorações pomposas dos anos 1990

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Marielle - O Documentário

  • Onde Disponível no Globoplay
  • Direção Caio Cavechini

O documentário sobre Marielle Franco feito pela equipe de jornalismo da Globo, e que acaba de estrear com a exibição do primeiro episódio na televisão, acerta naquilo que a história tem justamente de mais jornalístico, a investigação de seu assassinato, mas erra a mão ao tentar reconstruir a trajetória de Marielle, de menina da Maré a líder política, e ao buscar expor como era a vereadora em sua vida íntima.

Os dois primeiros episódios parecem querer segurar o espectador pelo coração, com um sentimentalismo exagerado. Há muitas músicas tristes pela trilha, como uma espécie de tango apenas com baixo e acordeón, notas tocadas em um teclado a pianíssimo, ou uma música em órgão. Além disso, a montagem concatena ideias como as de fé, religiosidade, ausência e coletividade ao sofrimento das famílias de um modo que beira o piegas.

Não fica claro, tampouco, onde se quer chegar com a insistência, desde os comerciais da série, e também na vinheta de abertura, que mostra a festa de 15 anos de Marielle. Minutos se prolongam com vídeos da celebração e da mãe da vereadora mostrando o álbum de fotografias da ocasião, marcada por roupas e decorações pomposas dos anos 1990.

Em que ponto insistir neste momento da adolescência reforça a construção de uma figura feminista forte e deixa de ser curiosidade com uma pitada de ironia é um mistério.

Na tentativa de fazer um documentário que fuja às cansativas cabeças falantes, o que se tem é uma série de tempos mortos na apresentação de personagens como a assessora Fernanda Chaves, sobrevivente do atentado, e Mônica Benício, viúva de Marielle. São cenas como a de um copo enchendo d’água num filtro, ou tomates sendo cortados. Parece que a pausa é para dar tempo de o espectador se enternecer e, claro, chorar.

Mas a série cresce a partir do terceiro episódio, quando passa a se dedicar às investigações, ainda que, aqui e ali, pipoquem momentos mais chorosos, como quando a filha de Marielle conta que pensou em se matar se atirando do prédio da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde estuda, ou quando Mônica Benício narra a história de sua relação com a vereadora, momento ilustrado com fotos das duas em praias e ao som de canção grudenta de Rubel.

Mas está ali seu trunfo, ser capaz de organizar para o público tudo o que aconteceu nos dois anos, a serem completados neste fim de semana, desde a morte da vereadora e do motorista Anderson Gomes.

Anderson, inclusive, desaparece a partir daí. Nos dois primeiros episódios também foram explorados na chave sentimental o choro de seu irmão e a solidão de sua mulher, Agatha, sozinha com o filho pequeno, Arthur, que tem uma síndrome genética rara. Anderson morreu como que por acaso, já que cobria uma licença médica do motorista oficial de Marielle.

Não há um narrador, mas os jornalistas do jornal e da TV Globo responsáveis pela investigação guiam a história. Embora sejam apresentados com seus nomes e suas vozes reais, seus rostos não são mostrados, o que leva a várias cenas fechadas um tanto entediantes de mãos, blocos de notas, telas de computadores e calhamaços de processos.

Acompanhamos como o carro em que estavam os assassinos levou aos nomes de Ronnie Lessa —descrito pelos investigadores como uma pessoa incapaz de lidar com quem pensa diferente de si e cheio de ódio— e Élcio Queiroz, o aparecimentos das pistas falsas envolvendo o vereador Marcello Siciliano, do Podemos, e o miliciano Orlando Curicica, e o surgimento do nome de Domingos Brazão, conselheiro afastado do Tribunal de Contas fluminense.

É aí que termina o quinto dos seis episódios que esta repórter teve acesso. Mas, como se sabe, Brazão foi apontado, em outubro do ano passado, pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, como responsável por arquitetar a morte de Marielle e esquematizar a difusão da notícia de que Siciliano e Curicica estariam envolvidos no caso.

O produto tem apelo aos interessados em ter uma visão geral de um caso que já se arrasta sem que se tenha clareza se houve ou não um mandante do crime. Poderia interessar também a um público estrangeiro, mas é lançado na Globoplay daqui e dos Estados Unidos sem legendas em inglês.

Resta esperar que a ficção, a ser dirigida por José Padilha, acerte a mão no que se espera dela, o retrato da vida de Marielle Franco, o que deve interessar, neste momento de polarização, só aos da esquerda.

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