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Cinema

Filme 'Fotografação' demonstra que o Brasil é resultado de um olhar que nunca é objetivo

Documentário de Lauro Escorel sobre a história da fotografia brasileira traz nomes como Maureen Bisilliat

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Fotografação

  • Quando Estreia nesta quinta (5)
  • Classificação Livre
  • Produção Brasil, 2019
  • Direção Lauro Escorel

A objetiva, termo essencial do dispositivo fotográfico (e cinematográfico), sugere que a câmera tem o poder de registrar as coisas como elas são. A revelação, por sua vez, designava, na longa época que precedeu o digital, a etapa conclusiva do processo fotográfico. Além de descrever uma técnica, a revelação traz embutido o sentido de mostrar o não visto, de desvendar detalhes, gestos, modos de ser significativos.

“Fotografação” adota, primeiro, o disfarce de documentário convencional sobre a história da fotografia no Brasil. Outra intenção explícita é indagar o presente, no qual o ato fotográfico se transforma sob a pressão da instantaneidade e do narcisismo.

Mas o que o diretor Lauro Escorel expõe, de fato, são perspectivas de como a fotografia, desde que chegou aqui ainda na forma de daguerreótipo, produz retratos do Brasil, trafica imagens que o país, por sua própria natureza, esconde.

Escorel não descreve esse material como pesquisador neutro. Sua experiência no cinema, no qual começou registrando, como fotógrafo de cena, as filmagens de “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, em 1967, oferece um posto privilegiado da formação das imagens.

A narração em voz over na cena de abertura produz a falsa impressão de que “Fotografação” seguirá o caminho sem riscos da tradição, em que o texto explicativo cumpre a suposta missão pedagógica do documentário.

Logo em seguida, Escorel desfaz esta presunção ao entrar em cena. Sua presença não se resume ao lugar de entrevistador. Na conversa saborosíssima com Maureen Bisilliat, por exemplo, eles ressaltam como descobriram aspectos da luz amazônica ou a diversidade de tons apagada pelo conceito uniforme de etnia.

A intromissão da subjetividade na falaciosa noção de objetividade do documentário ancora a ideia principal de “Fotografação”, que consiste em demonstrar como a entidade chamada “Brasil” é, de fato, uma construção, resultado de um olhar que nunca é “objetivo”.

Não são só nos nomes de Hildegard Rosenthal, Pierre Verger, Marcel Gautherot ou Jean Manzon que a fotografia enuncia o ponto de vista estrangeiro. A perspectiva paulista e modernista de Mário de Andrade, quando partiu em busca de um país imaginado, serve de paradigma para Escorel demonstrar que a fotografia, mais que registro, é um ato de descoberta, de conhecimento e de invenção.

Portanto, quando hoje tiramos milhares de selfies, eles não permitem apenas confirmar onde e com quem estamos. O que está em jogo ali é um esforço para descobrir quem somos.

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