J Balvin e Bad Bunny aprofundam e renovam pop latino, que já virou global

Em menos de um ano, o colombiano e o porto-riquenho lançaram discos fundamentais para entender a música atual

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São Paulo

Enquanto o mundo está parado, J Balvin continua em movimento. Mesmo sem poder fazer muito estardalhaço, por causa da pandemia do novo coronavírus, o astro do reggaeton colombiano acaba de lançar mais um disco, "Colores".

"A situação na Colômbia está difícil", ele diz sobre o país, que até agora já tem mais de 700 casos da Covid-19, incluindo dez mortes. "Medellín é um lugar vibrante, onde todo mundo está nas ruas e, de repente, o clima ficou completamente diferente. Mas você tem que fazer o que é necessário num momento desses."

dois cantores com óculos escuros segurando colar
O colombiano J Balvin e o porto-riquenho Bad Bunny, ambos cantores - Divulgação

Mas, se essa Medellín antes fervilhante entra em quarentena nos próximos meses, pelo menos ela ressurge exuberante em "Colores". A ideia do disco, o quinto do cantor, era captar a diversidade das pessoas nas ruas.

"O que eu queria dizer nesse disco é que cada pessoa tem sua cor e sua personalidade", diz Balvin. "E, dentro dessas personalidades, você também tem diferentes estados de espírito, sensações e sentimentos. Queríamos mostrar essa variedade representada pelas cores."

Na prática, a pluralidade de "Colores" está muito mais nas letras, na capa —feita pelo artista japonês Takashi Murakami, que fez a arte de "Graduation", de Kanye West— e nos clipes do que no som.

O álbum já acumula centenas de milhões de visualizações —fora a segunda posição entre os álbuns latinos mais tocados nos Estados Unidos. É dançante e tem uma identidade estética que se repete em quase todas as dez faixas.

"Colores" é também o disco mais colombiano de Balvin desde que ele se tornou um astro global. Em "Vibras", seu álbum de 2018, o cantor dava proporções mundiais ao novo reggaeton feito em seu país. Mirava o rap americano e tentava abraçar com ambição tanto o R&B quanto o dancehall e o pop de Los Angeles.

O cantor colombiano J Balvin - NYT

Agora, ele retorna sem rodeios, com um disco moderno de reggaeton do início ao fim. "Acho que esse álbum é direto, mais fácil", diz. "É um disco que você não tem que se esforçar muito para entender. Não tem essa história de que isso é estranho, ou isso é diferente. É um álbum novo, com sonoridades frescas, mas que você vai pegar de cara."

Com exceção de duas —"Rosa", com Diplo, e "Negro", com Dee Mad e King Doudou—, todas as músicas de "Colores" foram produzidas por Sky Rompiendo, conterrâneo de Balvin. A única participação é do nigeriano Mr. Eazi, estrela do afrobeat eletrônico contemporâneo.

Sky Rompiendo, beatmaker favorito de Balvin, se tornou uma referência no gênero em paralelo à ascensão do cantor. Eles trabalham juntos desde o primeiro álbum oficial de Balvin, "La Familia", lançado há sete anos.

"Eu o conheci quando ele tinha 16 ou 17 anos", diz Balvin, sobre Sky, que hoje tem 26. "Ele cresceu muito, evoluiu no uso de samples e nas batidas. Crescemos nas mesmas ruas, e ele é um dos maiores produtores do gênero —em breve deve ser um dos maiores do mundo. É incrível a nossa conexão. Eu o amo."

O músico, de fato, é um dos pilares das canções de Balvin. Os arranjos eletrônicos e a variação de andamentos soam como um passo mais fundo na estética que ganhou o mundo com "Mi Gente", hit de proporções intercontinentais que ganhou remix com Beyoncé e só no YouTube tem 2,5 bilhões de acessos.

O sucesso estrondoso dessa sonoridade fez J Balvin buscar se aprofundar nela. A ideia é mais estabelecer uma estética característica —o que ele faz com habilidade— do que acrescentar novas camadas a ela.

Na visão de parte da crítica colombiana, a abordagem soa como repetição. Uma resenha de "Colores" na revista Rolling Stone do país diz que Balvin esgotou suas ideias e está ancorado nas sonoridades comerciais que o tornaram conhecido.

De fato, "Colores" parece uma reafirmação desse novo reggaeton, que desde o fim da década de 2000 vem ficando mais polido e comercial na Colômbia, com Balvin e Maluma. O ritmo surgiu em Porto Rico, nos anos 1990.

Mas, enquanto Balvin parece estar no auge de seu jogo, o pop latino caminha rumo ao futuro com Bad Bunny. O MC porto-riquenho é o responsável por deixar o colombiano em segundo lugar entre os álbuns latinos tocados nos Estados Unidos.

Seu segundo disco, "YHLQMDLG", sigla que resume a frase espanhola "yo hago lo que me da la gana", ou faço o que sinto vontade, saiu em fevereiro, com tudo de esquisito e ousado que falta em "Colores".

Na contramão de Balvin, Bad Bunny está tão ligado ao trap latino quanto ao reggaeton, mas em sua mistura cabem tanto os ritmos dançantes quanto guitarras e baterias de pop punk, pianos e elementos da bachata.

O cantor porto-riquenho Bad Bunny - NYT

Em "Si Veo a Tu Mamá", por exemplo, Bad Bunny canta sobre um arranjo doce de piano com uma melodia que lembra a de "Garota de Ipanema". A canção cresce conforme ele altera rimas de hip-hop e falsetes encharcados de Auto-Tune. Nesse ponto, "YHLQMDLG" é mais arriscado e, por isso, bem mais caótico e divertido que "Colores".

A diferença de idade entre os dois é só de oito anos —Balvin tem 34; Bunny 26—, mas é notável em algumas referências. Fã de Nirvana —de quem inclusive tem uma tatuagem—, J Balvin carrega no visual despojado de cabelos coloridos e roupas largas as influências do grunge, febre nos anos 1990.

Já Bad Bunny usa elementos do pop punk, que estourou no começo dos anos 2000, e tem um estilo menos masculino. Além dos shorts curtos, dos óculos coloridos e das estampas floridas, ele adora cor-de-rosa e não raro aparece com as unhas pintadas. No clipe de "Caro", está na manicure, enquanto no novo "Yo Perreo Sola" rebola usando vestidos, perucas e peitos postiços.

Os dois, no entanto, dominam pontas diferentes de uma mesma onda. Há dois anos, enquanto Balvin estourava com "Vibras", colecionando parcerias de Beyoncé a Justin Bieber e Rosalía, Bunny estreava com o álbum "X 100PRE". No mesmo ano, ambos participaram de "I Like It", música de "Invasion of Privacy", celebrado disco de estreia da rapper americana Cardi B —sempre ligada ao pop latino, esta última já gravou com a brasileira Ludmilla.

Balvin e Bunny costumavam se encontrar por acaso no estúdio que Sky Rompiendo mantém em Miami, onde ambos já gravaram, e a parceria se tornou mais sólida no ano passado, ao ponto de lançarem um disco juntos. "Oasis", de fato, já adiantava os trabalhos que eles lançaram este ano.

Mr. Eazi, que canta em "Oasis", retorna em "Colores". Sky Rompiendo e Tainy, produtores mais presentes no disco da dupla, também voltam nos álbuns individuais.

Balvin e Bunny também já dividiram o palco no festival Coachella, um dos maiores do mundo, e também no Super Bowl, com Shakira e Jennifer Lopez. No mesmo período, de menos de um ano, eles fizeram, juntos e separados, três discos fundamentais para entender o pop latino contemporâneo.

Se em 2018 a música cantada em espanhol —rica há décadas— lutava para conquistar a atenção e os ouvidos do resto do mundo, hoje, está numa posição confortável. Pode tanto se manter na linha de frente do pop, como o reggaeton seguro de Balvin em "Colores", quanto se aventurar por novos territórios, como Bunny em "YHLQMDLG". Ou, como em "Oasis", embaralhar as duas coisas em clima de festa e celebração.

Em todos os casos, representam um passo à frente no pop latino.

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