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Cinema

Longa 'Campo' beira o sublime, é poesia cinematográfica não premeditada

Há alguns anos o cinema português nos propõe alguns dos melhores filmes que podemos ver

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Campo

  • Quando Estreia nesta quinta (5)
  • Classificação 12 anos
  • Produção Portugal, 2019
  • Direção Tiago Hespanha

Um letreiro nos informa o local: campo de tiro em Alcochete, ao sul de Lisboa, a maior base militar da Europa. Assim começa o longa português "Campo", de Tiago Hespanha.

Em seguida, vemos imagens incomuns. Árvores na escuridão, uma parca luminosidade que nos sugere o momento anterior ao alvorecer. Enquanto uma narração (do próprio diretor) praticamente sussurra: "No início, era o caos. Não havia luz. Não havia terra. Não havia dia. Nada...". E prossegue em tom e volume de quem não faz esforço para ser ouvido.

O espectador casual talvez saia revoltado antes mesmo que surja mais luz, atormentado por aquela voz que insiste em nos convidar para o sono ou a contemplação. Mas quem estiver à procura de algo diferente saberá estar diante de um filme que não vemos com frequência.

A classificação nos diz que é um documentário. A sinopse fornecida fala em missões fictícias, astrônomos e um pianista que toca para os animais. Que diabos de filme é esse?

É, na verdade, um ensaio que desafia essas classificações determinantes. Nem documentário, nem ficção e os dois ao mesmo tempo. Certamente, é poesia cinematográfica não premeditada mas alcançada pela qualidade da observação e pela precisão nos tempos.

Há alguns anos o cinema português nos propõe alguns dos melhores filmes que podemos ver, obras de incrível rigor, que primam pela procura da maneira mais inventiva de narrar uma história ou investigar um estado de coisas.

Quem conhece os filmes de Pedro Costa e Rita Azevedo Gomes sabem do que estou falando, mesmo que sejam ainda pouco vistos por estas terras. Isso para não falar de diretores praticamente invisíveis por aqui, como o casal Joana Torgal e Rodolfo Pimenta ou José Oliveira.

"Campo" chega com essa busca pela inventividade e o mesmo rigor na sucessão de imagens e no tom alcançado, entre o grave e o humorístico, o soturno e o solar. Mas guarda também uma boa dose de singularidade.

A luz entra aos poucos, assim como a nitidez, a cor, o movimento acelerado dos animais. O som se torna mais alto e até a narração ganha vigor após três minutos.

Temos a impressionante cena dos paraquedistas, sob uma trilha que trafega entre o irônico e o litúrgico. E aí, sim, surge o nome do filme em maiúsculas, ocupando o centro do quadro.

É do tipo de longa que não nos entrega o que vem pela frente. Quase tudo nele é imprevisibilidade, mistério e paradoxalmente rigoroso, austero. É sobretudo um filme sobre o qual não temos como falar em termos de história. Seria cair num engano conteudista que não lhe faria justiça alguma.

Se há um ponto fraco em "Campo", está nos momentos em que ele se aproxima de um documentário convencional, com pessoas dando depoimentos diante da câmera em uma necessidade de verbalizar os assuntos de que trata.

É pouco, diante da força das inúmeras imagens originais que vemos nos cem minutos desse longa que por vezes beira o sublime.

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