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Artes Cênicas

Musicais de Sondheim foram abraçados pela Broadway e a corroeram

Compositor e letrista de 'Company' completa 90 anos como a figura mais importante do gênero

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A Broadway fechou, “West Side Story” saiu de cartaz e as festas para Stephen Sondheim foram adiadas ou esquecidas. A ironia amarga disso tudo combina com ele.

Neste domingo, o compositor e letrista completa 90 anos sem dar as caras, recluso e tímido desde sempre.

Seu amigo e crítico Frank Rich resumiu, a pedido do repórter: “Nenhum artista teve mais impacto no teatro musical, americano e mundial, do que Sondheim nas mais de seis décadas desde que estreou na Broadway como letrista de ‘West Side Story’, em 1957. A influência de suas músicas, seus espetáculos e inovações criativas pode ser encontrada em todos os principais musicais desde então”.

Por exemplo, o maior compositor e letrista de musicais no Brasil, Chico Buarque, mantinha um livro sobre Sondheim em destaque no meio da mesa, em sua casa no Rio de Janeiro, segundo relatos.

Quando o gênero voltou à vida no país, em 2000, o próprio Sondheim veio assistir a uma versão de “Company”, incentivou profissionais, distribuiu elogios.

O que tantos buscam nele? Em dois livros semiautobiográficos que escreveu ao completar 80 anos, “Finishing the Hat” e “Look, I Made a Hat”, lançados pela editora Knopf, ele sistematizou o que pensa sobre o gênero. Primeiro, deixou claro o que não é.

Sondheim foi criado, a partir da juventude, por Oscar Hammerstein 2º, de “Show Boat” e “Oklahoma!”, os musicais da primeira metade do século 20 que estabeleceram a Broadway como a conhecemos —com canções integradas a uma narrativa e não mais costuradas de forma inconsistente como, por
exemplo, nas revistas.

“Apesar de sua influência em minha vida, Oscar não é meu ídolo”, escreveu ele, admitindo a “heresia” contra seu pai artístico. “A verdade é que, em seus espetáculos, apesar de todo o impacto revolucionário, os personagens não eram muito mais que coleções de características, de peculiaridades verbais que individualizam tanto quanto um chapéu preto define um vilão.”

As letras do lendário Hammerstein refletiriam essa ingenuidade. “Refinar as suas inovações foi algo deixado para a minha geração”, escreve Sondheim, que explorou “o novo território em que musicais poderiam ser mais do que construções de cenas cômicas e canções, fermentadas por uma balada eventual”.

Ainda assim, demorou a achar voz própria. Foi em “Company”, fechando os anos 1960, que o musical
“integrado” de Hammerstein se misturou à “revista” anterior para estabelecer uma terceira forma, com história, mas não linear. Foi apelidada à época de “musical conceitual”, o que Sondheim abomina como algo sem sentido.

Ele próprio, no primeiro livro, aproxima o seu musical daqueles do alemão Bertolt Brecht, um pouco pela forma, mas principalmente pela ironia.

“Foi a minha primeira imersão completa em ironia, como modus operandi de toda a composição”, escreve, acrescentando que muitas canções daquele musical são “quase brechtianas”, com comentários sobre a própria cena ou ações paralelas. “O oposto do que Oscar me treinou a fazer.”

Ele já havia feito “Gypsy” e outras, mas ali recebeu as primeiras críticas mais exultantes. “Para o bem o para o mal, ‘Company’ influenciou musicais por anos e continua a fazê-lo. Levou muitos adultos que desdenhavam musicais a tomá-los a sério.”

A partir daí, na mesma linha, com “A Little Night Music”, “Sweeney Todd”, “Into the Woods” e muitos outros, ele estabeleceu o seu próprio “cânone”, na expressão de Frank Rich, que não deixa de fora nem aqueles que “fracassaram em suas produções iniciais na Broadway, mas estão em contante remontagem em teatros ao redor dos Estados Unidos e do mundo”.

Conviveu e resistiu às ondas musicais de Andrew Lloyd Webber e da Disney, que lamenta no segundo livro, sem dar nomes, por sua “grandiosidade, falta de humor, histórias melodramáticas”, deixando escapar um certo alívio por estarem em refluxo.

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