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Cinema

Novo filme de Polanski prova que seu cinema ainda vai muito bem

Com 'O Oficial e o Espião', cineasta se mostra hábil para fugir da armadilha de se comparar ao injustiçado Dreyfus

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O Oficial e o Espião

  • Quando Estreia na quinta (12)
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Jean Dujardin, Louis Garrel, Emmanuelle Seigner
  • Produção França, Itália, 2019
  • Direção Roman Polanski

É quase impossível não aproximar Roman Polanski, diretor de “O Oficial e o Espião”, do capitão Dreyfus, vítima de um ignóbil erro judiciário. Não seria uma forma nem tão sutil assim de dizer ao mundo que ele é tão inocente quanto Dreyfus e igualmente massacrado por uma mídia que busca produzir culpados a qualquer custo?

Pode ser que essa tenha até sido a motivação do projeto. Se foi assim, porém, Polanski mostrou-se hábil para escapar da armadilha. Escapou de outra, que teria sido centrar o caso na célebre série de artigos escrita por Émile Zola, em que defendeu o oficial condenado como sendo o traidor que entregou segredos militares à rival Alemanha.

Zola e a imprensa da época tornam-se assim personagens secundários da trama, e o papel central passa ao coronel Picquart, responsável  por descobrir os papéis que põem em xeque as provas da culpabilidade de Dreyfus aceitas por um tribunal militar.

Embora um tanto esquecido, o caso é, até hoje, o máximo exemplo de algumas perversões da civilização —o antissemitismo (pois Dreyfus era judeu) e o hábito irracional de produzir caças às bruxas, que acompanha a tendência ao linchamento (moral ou literal) de certos grupos ou pessoas, a partir da construção de um discurso que autoriza, justifica e glorifica todas as baixezas do mundo.

Esse discurso pode ser banal assim: Dreyfus é judeu; judeus são por excelência apátridas que só amam o dinheiro, portanto o culpado só pode ser Dreyfus, o judeu.

Como se vê, Polanski lida —a partir de um Picquart que não demonstra a menor simpatia pelos judeus, mas aspira a produzir um tanto de racionalidade e justiça— com temas que estão na ordem do dia.

Existe a tolerância, evidentemente, assim como o nacionalismo, a traição (perpetrada no caso pelas altas patentes do Exército contra o próprio Exército). Existe ainda algo que de tempos em tempos volta ao cinema de Polanski, que é um profundo pessimismo quanto à natureza e ao destino humanos.

 
Tornam-se mais claras certas opções de mise-en-scène, como o fato de deixar em segundo plano Émile Zola, o personagem que mais se destacou em toda essa história.

Zola encarnou para várias gerações, a coragem e a grandeza do homem. Para Polanski essa grandeza não é algo tão claro assim: o homem é feito também (e talvez sobretudo, na visão do cineasta) de vilanias sem fim, de ódios que não têm a menor razão de ser, de paixões e oportunismos em que a desrazão triunfa 
facilmente sobre a razão.

A sobriedade fria que caracteriza “O Oficial e o Espião” é acentuada pela fotografia e por uma direção de arte por vezes quase monocromática. Essa característica se torna mais evidente na interpretação do elenco notável, à frente do qual Jean Dujardin tem, de longe, sua interpretação mais marcante. A secundá-lo, Louis Garrel interpreta um Dreyfus igualmente discreto.

Como se trata de um filme francês, existe sempre um picante caso extraconjugal a animar a história (como se fosse preciso). E como o próprio Polanski arrasta pela vida afora um nebuloso caso de suposta pedofilia, pelo sim, pelo não, o diretor deu o papel de Pauline Monnier à sua mulher, a aliás ótima Emmanuelle Seigner.

Não adiantou: as feministas francesas continuam furiosas com ele. De todo modo, “O Oficial e o Espião” é uma demonstração a mais de que o homem e seu mundo podem ir bem mal, que o cinema vai muito bem.

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