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Romance de ganhador do Jabuti, 'Roupas Sujas' investiga tragédia familiar

A narrativa é fragmentada entre quatro narradores-personagens e um narrador onisciente que se manifesta em notas de rodapé

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Roupas Sujas

  • Preço R$ 49,90 (184 págs.)
  • Autor Leonardo Brasiliense
  • Editora Companhia das Letras

O início de “Roupas Sujas”, do escritor gaúcho Leonardo Brasiliense, sugere a investigação pessoal de uma tragédia familiar. Antonio, o narrador, conta a história dos seis irmãos e do pai após a morte da mãe numa colônia agrícola no Sul do Brasil.

Mas essa narrativa é interrompida pouco além da metade do livro para se transformar na defesa de tese psicológica primária  —a de que, “de algum modo, e nem sempre aparente, as famílias são eternas”.

A ideia é construída com uma narrativa fragmentada entre quatro narradores: os irmãos Antonio, Valentina e Pedro, e um narrador onisciente que se manifesta em notas de rodapé. Os recursos pós-modernos, no entanto, parecem estar em desalinho com o drama realista de fundo psicológico.

Pela perspectiva de Antonio, vemos os sete irmãos em teias de antagonismo e fidelidade patológicas, marcados pelo isolamento geográfico e interditos de um pai ausente.

O escritor Leonardo Brasiliense
O escritor Leonardo Brasiliense - Marcelo Brum/Divulgação

É apenas por meio de Antonio que percebemos a dinâmica do grupo, como na passagem: “Aquelas conversas sobre a menina me deixavam desconfortável. Todo garoto quer ser homem logo, mas, quando surgia esse assunto, eu sentia o universo adulto invadindo o meu —isso era violento”.

No trecho seguinte, narrado por Valentina, vemos que a primeira parte do livro foi escrita por Antonio quando ele já é um adulto e tornou-se escritor. O manuscrito foi enviado a Valentina, que escreve cartas a Antônio, sempre sem respostas.

Na terceira e última parte saltamos para um solilóquio do caçula Pedro que parece ter sido feito sob medida para fechar pontos soltos da trama. As alterações de narradores denotam uma intromissão autoral pouco sutil.

É nas notas de rodapé, por fim, que o narrador em terceira pessoa constrói deliberadamente a tese familiar.

Em boa parte da ficção pós-moderna as notas de pé de página contribuíam para mostrar a dimensão artificiosa do texto e explorar a fragilidade da estrutura ficcional. Mas Brasiliense, autor de uma dezena de livros, duas vezes ganhador do Jabuti, parece utilizar as notas de rodapé de forma trivial —são apenas comentários desse narrador onisciente.

A história da família se enfraquece pela manipulação desse narrador que quer nos mostrar como pai, mãe e irmãos assumem peso indelével nas neuroses e desejos dos adultos.

Para um drama psicológico como esse seria necessário considerar que a evolução do pensamento psicanalítico está alinhada a um distanciamento da pós-modernidade literária —fragmentada e hiper consciente— e à recuperação da narrativa realista, seja ela autobiográfica ou não.

Em outras palavras, em vez de fixar-se e lamentar os mal-encontros do passado, viria daí a possibilidade de organizá-los em novos arranjos possíveis.

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