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Cineasta Anselmo Duarte foi das chanchadas à Palma de Ouro, mas acabou esquecido

Rejeitado pela geração do cinema novo, ator e diretor chega a centenário sem grandes celebrações

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Guilherme Bryan

A câmera faz um movimento de 360 graus e uma multidão carrega o corpo de Zé do Burro na cruz para cumprir a promessa que o padre repressor não o deixou em vida.

Essa imagem icônica do filme “O Pagador de Promessas” fez com que Anselmo Duarte, que faria cem anos nesta semana, ganhasse o maior prêmio já dado ao cinema brasileiro, a Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França, em 22 de maio de 1962. Porém, boa parte da obra do ator e diretor hoje se encontra praticamente esquecida.

“É um filme bem feito, que tem uma dramaturgia forte, com uma base teatral atrás, mas gerou um certo ressentimento por ter vencido grandes filmes no Festival de Cannes, de realizadores como Luis Buñuel e Michelangelo Antonioni, e o Anselmo carregou isso pelo resto da vida", diz o jornalista Sérgio Augusto, autor de “Este Mundo É um Pandeiro”, livro sobre as chanchadas. "Virou um prêmio meio maldito."

"Ao mesmo tempo, sem ‘O Pagador de Promessas”, nós estaríamos relembrando o Anselmo Duarte como galã das chanchadas e, mesmo assim, a obra dele se encontra arquivada e pouco na memória. Quando se faz um ensaio a respeito do cinema brasileiro, ressalta-se ‘O Cangaceiro’ e depois pulamos logo para o cinema novo. Essa é a verdade", completa.

Não é tão perceptível também a influência direta de Duarte em jovens cineastas brasileiros, mesmo que comédias produzidas pela Globo herdem elementos das chanchadas estreladas por ele. Mas é possível usar sua carreira para contar o primeiro meio século de história do cinema brasileiro.

“Ele era a coqueluche das plateias femininas. Foi o número um na Atlântida e depois na Vera Cruz. Nenhum dos atuais ídolos da televisão teve êxito semelhante ao de Anselmo, num tempo em que televisão era coisa remotíssima”, afirma Oséas Singh Júnior, autor da biografia “Adeus Cinema” e criador do cineclube Anselmo Duarte, na cidade-natal do cineasta, Salto, em São Paulo.

O primeiro filme estrelado por Duarte foi “Querida Suzana”, dirigido por Alberto Pieralisi em 1947, que marcou a estreia de Nicette Bruno, então com 12 anos.

“Eu o conheci durante as filmagens, mas quase não tivemos contato e nunca fui apresentada a ele, que acompanhava um amigo no teste para o filme e acabou ficando com o papel. Depois, nos encontrávamos em eventos e ele me cumprimentava com grande alegria”, conta a atriz.

Em seguida, Duarte se tornou um dos maiores galãs da Atlântida, ao contracenar com a atriz Eliana, na chanchada “Carnaval no Fogo”, filme de Watson Macedo lançado em 1949.

“Ele foi o ator mais bonito que conheci e, se tivesse um bom agente e estudado inglês, poderia ter parado no cinema americano. Ele tinha todo um tipo tradicional na linha do Tyrone Power”, diz Sérgio Augusto. Duarte repetiria o sucesso em “Aviso aos Navegantes”, de 1950, e “Carnaval em Marte”, de 1955, com a atriz Ilka Soares, então sua mulher.

Numa das mais badaladas negociações da época, Duarte foi contratado a peso de ouro pela companhia Vera Cruz, de São Paulo. Ali, ele estrelou “Tico-Tico no Fubá”, que conta a história do compositor Zequinha de Abreu. Porém, a grande vontade era a de realizar os próprios filmes, o que fez com maestria na comédia com ares de chanchada “Absolutamente Certo!”.

O passo seguinte foi “O Pagador de Promessas”, de 1962, a adaptação da peça de Dias Gomes estrelada por Leonardo Vilar e Glória Menezes. “O Anselmo queria e se preparou para ser vencedor. Ele foi a Cannes estudar os meandros do festival e voltou convicto de que com uma boa história ganharia o prêmio”, conta o gerente de produção do filme, Roberto Ribeiro.

“Anselmo Duarte estava muito contente por fazer o filme na Bahia e por ser muito bem recebido pelo povo do lugar. Ele era muito simpático e tinha uma segurança muito grande na direção. Era um bom companheiro e contador de causos”, conta Othon Bastos, que, no filme, interpreta um repórter.

Dois anos depois, Bastos seria Corisco, de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, que acompanhou as filmagens de "O Pagador de Promessas” e depois fez duras críticas a Duarte e ao filme.

“Ele foi um dos primeiros a fazer um cinema um pouco parecido com o que se fez na Itália, do neorrealismo, de ir para locação. O filme traz uma versão urbana do Nordeste que até então não se tinha”, afirma o cineasta Guilherme Fiuza, diretor de documentário ainda inédito a respeito de Duarte.

Depois de ganhar a Palma de Ouro, Duarte foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e recebeu vários prêmios ao redor do mundo. No entanto, no Brasil, os cinéfilos e a classe cinematográfica não receberam a vitória como ele gostaria.

“Como não podiam criticar o filme mundialmente premiado, os jovens do cinema novo acusaram Anselmo de ser de direita. Anselmo, que não percebeu a inveja cultural por trás dos ataques, fez um filme que ele considerava o melhor que dirigiu [‘Vereda da Salvação’, de 1964, adaptação do texto de Jorge Andrade, a respeito dos sem-terra]. Foi censurado. Disseram que ele tinha tendências de esquerda. Mas a única ideologia dele era a cinematográfica”, diz Singh Júnior.

“Numa entrevista, ele disse o que achava do cinema novo. ‘Uma câmera na mão, uma ideia na cabeça e uma merda na tela.’ As coisas complicaram ainda mais”, acrescenta o filho, Anselmo Duarte Júnior.

Ele seguiu, então, dirigindo filmes como “Quelé de Pajeú”, de 1969, estrelado por Tarcísio Meira. Já como ator interpretou um tenente de polícia em “O Caso dos Irmãos Naves” , filme de Luís Sérgio Person, de 1967.

Morreu em 7 de novembro de 2009, solitário e praticamente esquecido. Onze anos depois, seu centenário passa praticamente despercebido, com poucas homenagens, com exceção de um portal criado pela família e levado no ar nesta semana.

Destaques de Anselmo Duarte como ator​

“Carnaval no Fogo” (1949)

“Aviso aos Navegantes” (1950)

“Tico-Tico no Fubá” (1952)

“Carnaval em Marte” (1955)

“Absolutamente Certo” (1957)

“O Caso dos Irmãos Naves” (1967)

Destaques de Anselmo Duarte como diretor

“Absolutamente Certo” (1957)

“O Pagador de Promessas” (1962)

“Vereda da Salvação” (1965)

“Quelé do Pajeú” (1969)

“Um Certo Capitão Rodrigo” (1971)

“Os Trombadinhas” (1979)

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