Conheça a história por trás da famosa ilustração em 3D do novo coronavírus

A bolota espinhenta mais célebre de 2020 chegou a ganhar versões em biscoito e em moldes para tricô

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Cara Giaimo
The New York Times

Quantas vezes você já viu a imagem? Ela serve de fundo a telejornais nas atualizações noturnas sobre a pandemia, ilustra panfletos impressos e é reproduzida em tuíte após tuíte. Não é impossível que surja nos pesadelos de muita gente, além disso.

Ilustração do novo coronavírus, feita pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças, em Atlanta, nos EUA, em janeiro de 2020 - Alissa Eckert, MS; Dan Higgins, MAM/CDC/Via Reuters

Mas, para Alissa Eckert —ilustradora médica do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, o CDC, na sigla em inglês–, que ajudou a criar o desenho, tudo começou como apenas mais um pedido de trabalho.

Em 21 de janeiro, um dia depois que o CDC ativou seu centro de operações de emergência para lidar com o novo coronavírus, Eckert e Dan Higgins, um colega, foram solicitados a criar “uma identidade” para o vírus.

“Alguma coisa que capture a atenção do público”, segundo ela.

Eckert esperava que o que quer que eles desenhassem poderia aparecer em alguns telejornais na TV a cabo, como foi o caso de outras ilustrações criadas por eles no passado.

Porém, à medida em que a pandemia começou a se expandir e intensificar, o alcance da imagem que eles desenharam também cresceu.

“Começou a surgir em toda parte do planeta”, ela disse.

Eckert usa a arte para tornar conceitos médicos difíceis mais acessíveis. Por exemplo, as dezenas de ilustrações sobre defeitos congênitos que ela criou ao longo dos anos podem ser “um pouco mais fáceis de observar e entender” pelos observadores do que fotografias, ela disse.

O trabalho dela em muitos casos requer tornar visível o que é invisível. Uma de suas ilustrações recentes favoritas, de um aglomerado de Neisseria gonorrhoeae, a bactéria causadora da gonorreia, foi usada em um relatório de 2019 sobre resistência a antibióticos. Em seu retrato, a bactéria se infla como uma medusa, com finos tentáculos entrelaçados. O objetivo “era fazer com que realmente parecesse viva”, ela disse, “para conscientizar as pessoas a respeito”.

Ao longo dos anos, Eckert, Higgins e seus colegas adotaram diversas abordagens diferentes para retratar vírus. Às vezes eles os representam por meio de seu principal vetor —a página do CDC sobre o zika, por exemplo, destaca imagens de mosquitos. Ou se concentram nos sintomas do vírus, como no caso do ebola.

Mas, para a ilustração do coronavírus, eles recorreram ao que os ilustradores médicos profissionais definem como “beauty shot”: uma visão detalhada, de perto.

“Queríamos chamar a atenção para o vírus e só para ele”, disse a ilustradora.

O novo coronavírus, como todos os vírus, contém proteínas que lhe conferem seu caráter e traços. As espículas, ou proteínas S —os pontos vermelhos na imagem— permitem que o vírus se afixe a células humanas. As proteínas E, ou de envelope, representadas por migalhas amarelas, ajudam-no a penetrar na célula. E as proteínas de membrana, ou proteínas M, mostradas em laranja, dão ao vírus a sua forma.

Depois de pesquisar e consultar cientistas, Eckert e Higgins encontraram referências no RCSB Protein Data Bank, um repositório de estruturas proteicas.

“Obtivemos as referências e as compilamos em um software de visualização”, que permite que eles movimentem cada componente, disse Eckert.

Em seguida, em um estágio no qual um retratista acrescentaria camadas de tinta ao rascunho, eles acrescentaram camadas de programas. Um software, o Autodesk 3ds Max, “é onde a magia toda acontece”, disse Eckert. “Para nós, ele é como um estúdio fotográfico.”

Lá, eles ordenaram os componentes do vírus e testaram diferentes cores, texturas e iluminações.

Escolheram uma textura pétrea, por quererem que o vírus parecesse “algo que seria possível tocar”, disse Eckert. Outros detalhes —como o nível de realismo e a iluminação, que faz com que as espículas lancem longas sombras— foram calibrados de forma a “ajudar a exibir a gravidade da situação e para chamar a atenção”, ela disse.

E ainda que existam mais proteínas M do que qualquer outra estrutura, no vírus, eles decidiram colocar as espículas em primeiro plano, porque talvez sua efetividade seja a principal responsável pela rápida difusão do coronavírus.

Enquanto trabalhavam no estilo visual do vírus, outros pesquisadores do CDC estavam desenvolvendo materiais adicionais sobre a Covid-19. A ilustração “teria de funcionar com esse material de referência”, disse Eckert, e por isso eles tentaram colorações que combinassem. Vermelho sobre cinza, com detalhes amarelos e laranja, foi a mais interessante. ”Realmente se destacou”, ela disse.

Eles demoraram cerca de uma semana para produzir a imagem —um trabalho rápido, segundo Eckert. Ela espera que seu sucesso estabeleça um padrão, disse, e que da próxima vez que um vírus tiver de ser ilustrado, o mesmo método seja seguido.

E a imagem certamente circulou muito. Eckert viu sua ilustração transformada em formato para biscoitos e em moldes para tricô. Alguém lhe disse recentemente que a imagem está sempre em sua mente quando visita a mercearia. Quando a pessoa estica as mãos para pegar algum produto, pensa naquela bolha cinzenta repleta de tentáculos e hesita.

Ela ficou contente quando lhe contaram o fato, disse Eckert. “Significa que estamos fazendo nosso trabalho.”

Tradução de Paulo Migliacci

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