Depois de colaboração com Madonna, Dino D'Santiago elogia mistura em disco

'Kriola', novo álbum do músico cabo-verdiano, chega agora às plataformas digitais

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São Paulo

Enquanto o nacionalismo recrudesce pelo mundo, o cabo-verdiano Dino D'Santiago quer pregar a mistura —ou a defesa do que é crioulo, em suas palavras.

D'Santiago, que já era conhecido na cena portuguesa, mais foi projetado internacionalmente pela proximidade com Madonna e a influência no último disco dela, "Madame X", buscou esse conceito em seu novo disco —não à toa, intitulado "Kriola".

O álbum chega depois do sucesso do anterior, "Mundo Nôbu", que o artista mostrou no Brasil no ano passado, num show durante a Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, e lhe rendeu prêmios em Portugal. Além do próprio músico, assinam a produção Kalaf Epalanga e Seiji.

"O disco realmente conta o que é ser crioulo, que é nada mais nada menos do que o resultado dessa mistura. A própria língua portuguesa é fruto disso, com os celtas, os mouros, os ibérios. Essa língua que, com a colonização, chega a Angola, ao Brasil, a Cabo Verde se e transforma em crioula", afirma.

Essa é uma mistura, claro, que não se deu sem que muito sangue corresse.

"Olhei para essa cultura como um fator positivo, esquecendo o sangue do passado. Vejo a oportunidade de me comunicar com seres que compartilham essa crioulidade."

É assim que ele reuniu no álbum, gravado entre Londres e Lisboa, diversos sons —Gana, Nigéria, Cabo Verde , Guiné-Bissau, Angola, Moçambique e a mistura musical que se desenrola na capital portuguesa.

"Tem o tempero dessas marimbas", afirma.

Naturalmente, D'Santiago vê um aspecto político ao afirmar a existência dessa identidade plural. Enquanto concebia o álbum, em viagens para a capital britânica no intervalo entre shows, diz que via a extrema direita ascender pelo mundo.

Mesmo na Lisboa supostamente plural, onde os músicos de origem africana fazem grande sucesso, via o racismo aparecendo no noticiário.

"Essa ascensão da direita também se sentiu em Portugal. A manifestação dos policiais contra as comunidades africanas também é forte. É algo que nunca tinha sido tão transparente", diz. "Porra, basta disso! Misturados é que somos melhores. O cão vira-lata tem menos doenças. Se tu tiras essa mistura que nós somos, então diz-me o que nós somos."

Essa indignação aparece na canção "Nhôs Obi", inspirada na história de duas mães negras espancadas pela polícia em Portugal, ambas enquanto tentavam defender os filhos de abordagens.

"Houve muita revolta. Muita gente disse: 'Se esses africanos não estão bem aqui, que vão para suas terras'. Por um lado temos uma Lisboa em que temos brancos a falar crioulo e pretos a falar português, mas na hora 'H' nossas mães choram."

Como já no álbum anterior, as letras trazem a mistura do crioulo de Cabo Verde com o português e um pouco de inglês.

"Quando escrevo em português é meu cérebro que rege a mensagem. Em crioulo, sinto que é a minha alma. Por isso os temas mais políticos são em crioulo, e as mais leves são em português, com mensagens subentendidas."

Já na primeira canção, "Morabeza" —palavra que, explica D'Santiago, é a arte do bem receber alguém—, é possível ouvir ao fundo "quem mostrava esse caminho longe?", referência à clássica "Sodade", cantada por Cesária Évora, como quem aponta a estrada para casa. Já "Kriolu", com o rapper Julinho KSD, resume o conceito ao dizer "branco com preto, geração de ouro". Em "My Lover", surge uma canção de amor para tempos de guerra.

O resultado é um álbum dançante —o que pode animar sua quarentena ou fazer querer sair dela o mais depressa possível—, na linha do que D'Santiago já vinha fazendo, ao trazer ritmos africanos preparados para as pistas de dança europeias.

"O disco sai de alguém que conhece bem o rural, mas quer trazer um cheiro do campo para cidade e dizer que também precisamos respirar esse ar."

E por que lançar um projeto tão importante no meio de uma quarentena, quando não pode se apresentar em público?

"Não sou uma pessoa de fazer single. O disco para mim é como se fosse uma série da Netflix, cada canção é uma história. E agora, mais do que nunca, as pessoas têm tempo para ouvir uma história com princípio, meio e fim."

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